No filme “Minority Report”, estrelado por Tom Cruise, três paranormais conseguem prever assassinatos antes que os homicídios sejam cometidos. Os policiais, alertados pela trinca, precisam chegar até a cena do crime com antecedência e prender a pessoa que tem a intenção de matar — mas ainda não cometeu o assassinato.
O caso que envolve a Covaxin poderia estar neste enredo. Sobre o processo recaem suspeitas de superfaturamento e há registros de pressão para que a compra fosse executada. Os apoiadores do governo, porém, rejeitam a acusação e levantam um argumento forte: o negócio não foi concretizado. O próprio presidente Jair Bolsonaro se manifestou neste sentido: “Não recebemos uma dose sequer dessa vacina”.
Curiosamente, esse argumento só existe por conta do funcionário público Luís Ricardo Miranda, que barrou a compra. O servidor, irmão do deputado Luís Miranda, era encarregado de liberar os recursos para a importação da Covaxin e segurou o processo. Ele mostrou alguns exemplos da pressão recebida por colegas do Ministério da Saúde à CPI da Pandemia.
Os governistas desqualificam esse caso baseados em dois motivos. O primeiro diz respeito a acusações pregressas contra os senadores Omar Aziz e Renan Calheiros, as estrelas da CPI. Como os dois parlamentares não são exatamente anjos de candura, o trabalho exercido por eles durante a comissão estaria comprometido.
Outro argumento diz respeito também ao passado do deputado Luís Miranda, acusado de dar um golpe financeiro em Miami, onde morou. O deputado Eduardo Bolsonaro, por exemplo, disse que o seu colega não tinha currículo e sim “ficha corrida”.
O fato de Aziz, Calheiros e Miranda serem pessoas sob suspeita anula qualquer acusação dirigida ao governo?
Em tese, não. É preciso um cuidado redobrado na investigação, em função do passado dos acusadores, mas não se pode simplesmente ignorar as denúncias. Desqualificar o denunciante é uma das estratégias mais antigas dentro de um processo legal ou uma crise de relações públicas. É por isso que muitas autoridades têm o sangue frio para separar o que se diz dos acusadores das denúncias em si.
De qualquer forma, precisamos refletir sobre a “ficha corrida” de Luís Miranda. Esse fator foi apenas levado em consideração depois que o parlamentar trocou de lado e acusou o governo. Antes, porém, episódios como o de Miami ou mesmo uma acusação envolvendo fraude na verba de combustíveis do deputado foram solenemente ignorados. Miranda frequentava o Palácio do Alvorada, residência oficial do presidente. Como isso pôde acontecer? Será que a Abin, mais uma vez, deixou de blindar Bolsonaro? Ou foi Bolsonaro que não quis saber de blindagem?
A falta de preocupação com o passado pode ser vista não apenas em relação a Miranda nos meses que precederam a acusação do parlamentar. O ex-deputado Roberto Jefferson também faz parte desse grupo de cristãos-novos que combatem a corrupção e que compõem grupo de apoio político ao Planalto.
Vídeos de Jefferson questionando a masculinidade de membros do Judiciário, segurando armas ou enaltecendo a moral e bons costumes são repartidos por vários apoiadores do presidente, sempre exaltando que ele foi uma vítima do PT e que denunciou o Mensalão.
De fato, Jefferson fez essa denúncia. Mas isso foi consequência de uma série de reportagens que mostraram diversas falcatruas, entre as quais o recebimento dois pagamentos totalizando R$ 4 milhões em dinheiro vivo, cujas cédulas estavam empacotadas com fitas do Banco Rural e do Banco do Brasil.
Existe alguma diferença entre Renan Calheiros e Roberto Jefferson? Para muitos, não. Independentemente se estão contra ou a favor do governo.