Nos últimos dias, o estranho fascínio que boa parte da Direita tem pelo presidente da Rússia, Vladimir Putin, ficou bastante evidente para todos. Em primeiro lugar, o âncora Tucker Carlson fez uma longa entrevista com o líder russo, em um tom predominantemente cordial – e houve uma chuva de elogios nas redes sociais conservadoras sobre o desempenho dos dois durante o colóquio. Carlson tem um papel importante dentro do jornalismo: é uma das poucas vozes conservadoras com grande audiência na imprensa. Em compensação, embarca em fake news e teorias da conspiração com alguma frequência para embasar seus argumentos.
Logo após a divulgação dessa entrevista, o ex-presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, mostrou um alinhamento curioso em relação ao comandante-em-chefe da Rússia. Vejamos o que diz o editorial da Folha de S. Paulo de ontem. O texto fala sobre a guerra da Ucrânia:
“No sábado (10), o republicano contou que havia sido questionado certa vez se os EUA cumpririam a cláusula de defesa mútua em caso de ataque dos russos. “Eu disse: ‘Vocês não pagaram? Vocês estão inadimplentes?’ Ele disse: ‘Sim, digamos que isso aconteceu’. Não, eu não os protegeria. Na verdade, eu os encorajaria [os russos] a fazer o que diabos quisessem. Vocês têm de pagar”. “.
Na prática, Trump deixou implícito que poderia fazer vista grossa às investidas bélicas de Putin – e até estimulá-las. Sobre esse mesmo conflito, Tucker Carlson já chegou a chamar o presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, de “ditador” (a razão seria a recusa de Zelensky em convocar novas eleições no meio da guerra).
A admiração direitista por Putin não se limita apenas ao território do Tio Sam. No Brasil, enquanto foi presidente, Jair Bolsonaro se mostrou próximo ao colega russo. A admiração, aliás, era recíproca. Putin disse sobre o ex-presidente: “O senhor expressou as melhores qualidades masculinas e de determinação”.
Putin é um ex-agente da KGB e dileto aprendiz dos antigos ditadores comunistas. Seus inimigos políticos são encarcerados, assassinados ou desaparecem misteriosamente. Ele se mantém no poder desde 1999, seja através de mandatos de primeiro-ministro concedidos pelo Parlamento ou por eleições presidenciais recheadas de acusações de fraude (o voto na Rússia, por sinal, é feito em cédulas de papel e os eleitores não são obrigados a votar).
A economia russa é extremamente regulada pelo Estado e Putin controla os homens mais ricos do país com mão de ferro. Veja o caso do bilionário Oleg Tinkov, que fez críticas ao Kremlin e à invasão da Ucrânia no início da guerra. Segundo entrevista ao Financial Times, ele disse que foi obrigado pelo presidente russo, em represália às suas declarações, a vender o Tinkoff Bank a outro oligarca, Vladimir Potanin.
Onde estaria, então, o ponto de intersecção entre a Direita e Vladimir Putin?
Em primeiro lugar, eleitores conservadores admiram homens de personalidade forte e líderes carismáticos. Dentro do espectro de Direita, temos ainda os extremistas, para os quais o conceito de democracia é bastante flexível – e, nesta seara, Putin oferece um modelo de governo que se encaixa dentro dos limites imaginados pelos radicais.
Putin, ainda, toca uma sociedade que é refratária a valores, digamos, mais progressistas. O casamento entre pessoas do mesmo sexo é ilegal, assim como a adoção de crianças por parte de casais da comunidade LGBTQIA+. “Enquanto eu for presidente, isso não acontecerá. Haverá um pai e uma mãe”, afirmou Putin em um discurso no Kremlin. Nessa mesma ocasião, se manifestou contra os transgêneros: “Queremos que nossas escolas imponham aos nossos filhos, desde os primeiros dias de escola, perversões que levam à degradação e extinção? Queremos martelar em suas cabeças as ideias de que certos outros gêneros existem junto com mulheres e homens e oferecer-lhes cirurgia de redesignação de gênero? É isso que queremos para o nosso país e para os nossos filhos?”.
No caso de agressão a mulheres, sete anos atrás, o Parlamento russo descriminalizou a violência doméstica. A lei atual não prevê penalização nos casos em que não houver lesões corporais graves e com a frequência de uma vez por ano. O placar dessa votação? 380 votos a favor e três contrários.
Putin, evidentemente, percebe o encanto que causa entre os representantes da Direita e alimenta essa admiração. Sobre o processo que Trump sofre na Justiça americana, ele disse: “Isso mostra a podridão do sistema político americano”. Isso é basicamente música para os ouvidos dos mais radicais.
“Ele é extremamente inteligente, muito esperto”, afirmou, alguns anos atrás, o ex-presidente Bill Clinton. Putin consegue entender o que precisa dizer para angariar o apoio da Direita mundial e vem fazendo isso com frequência. Sua aposta é a eleição de Trump, que deverá promover uma espécie de reedição dos tempos de Paz Armada, mas sem os cutucões habituais da Guerra Fria. Para Trump, Putin é o melhor oponente internacional que poderia ter – e vice-versa.