João Doria chutou o balde e ameaçou desistir da candidatura à presidência da República. Pegou todos de surpresa, incluindo seus inimigos dentro do PSDB, que apostavam em deixá-lo nas cordas por mais tempo. O fogo amigo desejava que Doria se desincompatibilizasse do cargo de governador, passando a cadeira para Rodrigo Garcia, e depois disso dar um golpe interno para cancelar a candidatura presidencial obtida nas prévias. Mas o governador criou uma tremenda barafunda, ameaçando ficar no Palácio dos Bandeirantes, e aparentemente neutralizou o movimento que buscava colocar o ex-governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite, em seu lugar na chapa presidencial.
Com isso, manteve o acordo feito com o vice-governador Garcia, que assumirá a gestão estadual e vai concorrer à sucessão.
A disputa com Fernando Haddad parece estar entre o vice Garcia e o ex-ministro Tarcísio de Freitas – e quem chegar ao segundo turno contra o PT tem grandes chances de vitória. Lembremos: a cidade de São Paulo, onde o PT concentra mais votos, tem 9 milhões de eleitores. Já o interior conta com 24 milhões de sufragistas. Assim, em um segundo turno, os interioranos tendem a votar em quem se contrapor aos petistas.
O episódio de quase-renúncia de Doria mostra que o PSDB consegue passar sua tradição de trairagem interna de geração em geração. No passado, a vaidade sempre colocava em conflito Fernando Henrique Cardoso, José Serra e Mario Covas (depois, Geraldo Alckmin). Hoje, a fogueira das vaidades corre solta e coloca em embate João Doria, Eduardo Leite e Aécio Neves.
Caso Garcia perca a disputa eleitoral, a derrota pode ferir de morte o PSDB, que perderia um estado que está em sua mão desde 1995 – o maior da União. Esse movimento pode selar definitivamente o destino dos tucanos: ser, daqui para frente, um partido pequeno.
Aécio Neves, em conversas privadas, festejou a suposta desistência de Doria na manhã de ontem e disse, sem esperar o final da história, que ele seria o grande vencedor dentro do PSDB com a decisão do governo paulista. Só que, se Rodrigo Garcia perder, Aécio corre o risco de ser um peixe grande dentro de um aquário pequeno. Em tempos de fundo partidário, ter uma agremiação diminuta em São Paulo valeria pena?
Sergio Moro também mexeu com o cenário da sucessão no dia de ontem, ao anunciar sua filiação ao União Brasil e sua retirada da corrida presidencial. Oficialmente, sai de cena para facilitar a composição de uma candidatura de Centro mais à frente. Porém, seu desempenho nas pesquisas foi bem aquém do esperado e frustrou apoiadores, que esperavam um crescimento rápido em suas intenções de voto. Moro até largou bem, mas foi minguando ao longo do tempo, ficando atrás de Ciro Gomes (que reluta em se alinhar aos adversários e montar uma frente contra Luiz Inácio Lula da Silva e Jair Bolsonaro).
Com Doria dentro e Moro fora, como ficam os votos que seriam despejados no ex-juiz?
Dificilmente iriam para Lula e o candidato da situação também sofre rejeição por parte desse eleitor. O apoiador de Moro, assim, pode engrossar as fileiras do movimento ‘nem-nem” e optar pela abstenção, ou votar em branco/nulo. Mas Doria e Ciro também podem receber estes órfãos eleitorais.
Doria, se for confirmado candidato ao decorrer deste ano (com o PSDB, hoje, tudo é possível), terá empreendido uma estratégia à lá Jânio Quadros, só que bem-sucedida. E ainda insinuou, ao final do dia, que fez tudo de caso pensado, como se fosse um grande blefe político.
A questão, agora, é se o candidato tucano conseguirá se manter no jogo. Por enquanto, conseguiu silenciar os oponentes – em especial, Aécio Neves. Mas é inevitável perguntar: até quando vai durar a paz no ninho tucano?