Alguns pontos chamam atenção no discurso do presidente Jair Bolsonaro na Organização das Nações Unidas – além do fato de que foi mal escrito, enumerando tópicos aleatórios sem amarração entre si.
O principal talvez seja o de que Bolsonaro se utiliza de um momento no qual é ouvido por representantes de quase todas as nações do mundo para passar recados regionais: culpar governadores e prefeitos pelo desemprego, fazer a apologia do tratamento precoce, mostrar que tem apoio popular, citando manifestações de Sete de Setembro, e se apresentar próximo dos militares.
Chama a atenção também um trecho: “respeitamos a relação médico-paciente na decisão da medicação a ser utilizada e no seu uso off-label”. Provavelmente, em 76 anos de existência da ONU, essa foi a primeira vez que um discurso de chefe de Estado contou com a expressão que define a aplicação de um medicamento para obter um resultado que não está na bula.
Além disso, o presidente bate em algumas teclas para agradar seus apoiadores: falar em Deus, exaltar a “família tradicional” e bater no comunismo (curiosamente, o prédio no qual discursava o presidente foi co-projetado pelo arquiteto brasileiro Oscar Niemeyer, um notório comunista).
“Estávamos à beira do socialismo”, disse Bolsonaro, para mostrar que, nos tempos do Partido dos Trabalhadores havia prejuízo nas estatais (não exatamente um privilégio de socialistas) e que o BNDES foi utilizado para financiar obras em países com regimes de esquerda. Esses dois pontos são verdadeiros – mas o presidente editou a história e apagou convenientemente o governo de Michel Temer, que comandou o Brasil por 2 anos e quatro meses. Temer pode ser acusado de várias coisas, menos de socialista.
O presidente tentou mostrar que o Brasil não é tão ruim como parece aos estrangeiros. Isso é verdade. O problema é que o tom do discurso parece provinciano e defensivo, temperado de picuinhas regionais. É bom lembrar: Bolsonaro está falando com representantes de todo o mundo, não para os brasileiros. “Meu governo recuperou a credibilidade externa e, hoje, se apresenta como um dos melhores destinos para investimentos”, afirmou Bolsonaro um pouco antes de encerrar sua fala.
Em alguns setores econômicos, o Brasil é de fato uma grande opção, apesar de todos os problemas que já conhecemos, a começar pelo intrincado sistema de impostos federais, estaduais e municipais. Mas dizer que o país “recuperou a credibilidade externa” é um grande exagero. Infelizmente, o Brasil hoje é achincalhado na Europa e não é considerado como um parceiro estratégico para os Estados Unidos.
É preciso fazer um trabalho de recuperação de imagem junto aos investidores internacionais. Trabalho esse que fica mais difícil a cada discurso que Bolsonaro profere na ONU.