Compras nebulosas envolvem superfaturamento, dosagem errada para doença rara, remédios para calvície e próteses penianas de 25 cm
As Forças Armadas aprovaram compras de mais de 35 mil unidades de Sildenafila, o genérico do Viagra, medicamento largamente utilizado para tratar disfunção erétil. O caso foi revelado nesta segunda-feira (11). A Marinha e a Aeronáutica informaram, no entanto, que as licitações são para o tratamento de pacientes com hipertensão arterial pulmonar (HAP), uma doença rara que eleva a pressão sanguínea e afeta os vasos dos pulmões. A compra foi de 28.320 comprimidos da Sildenafila para a Marinha, 5 mil para o Exército e 2 mil para a Aeronáutica. Todos nas dosagens de 25 mg ou 50 mg.
É aí que começam os problemas. Os valores pagos são até 143% mais caros do que os praticados no mercado. Em 2020, cada comprimido para atender às necessidades do Exército custou R$ 1,50. Menos de um ano depois, a Marinha, pagou R$ 3,65 cada. Em vez de desconto pela compra de grande volume houve um sensível e até agora injustificado aumento. O caso levou os deputados federais Elias Vaz (PSB-GO) e Marcelo Freixo (PSB-RJ) a acionar o Ministério Público Federal (MPF). Os dados foram obtidos por Vaz no Portal da Transparência e no Painel de Preços do Governo. São oito processos de compra aprovados desde 2020 e ainda em vigor.
Dose errada
A finalidade da compra também é nebulosa. Segundo a bula do remédio, a substância comercializada nas dosagens de 25 mg ou 50 mg – as encomendadas pelas FA – ou de 100 mg são indicadas apenas para “tratamento da disfunção erétil, que se entende como sendo a incapacidade de atingir ou manter uma ereção suficiente para um desempenho sexual satisfatório”. Nessas dosagens, não há menção à HAP. Já na versão em 20 mg, a bula informa ser indicado “para o tratamento da hipertensão arterial pulmonar” por “melhorar a capacidade para realização de exercícios e reduzir a pressão arterial pulmonar média”. A coordenadoria da Comissão de Circulação Pulmonar da Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia (SBPT) confirmou ao GLOBO a informação. Assim, as justiticativas da Marinha e da Aeronáutica não se aplicam e precisam ser melhor explicadas.
Também não foi explicada a razão para as grandes diferenças nas quantidades. A Marinha comprou quase seis 6 vezes mais que o Exército. Muito menos foi informado quanto militares da ativa e da reserva sofrem de HAP e são tratados em unidades de saúde das FA. Nem o que faria com que mais casos de uma condição rara atingissem especificamente integrantes da força naval.
Explicações
O deputado federal Bira do Pindaré (PSB-MA) começou, nesta terça-feira (12), a colher assinaturas para a criação de uma comissão parlamentar de inquérito (CPI) para investigar a compra de medicamentos por parte de órgãos vinculados ao Ministério da Defesa e os respectivos indícios de superfaturamento nas compras. No requerimento, ele afirma que há “inegável” relevância constitucional e legal na instalação da comissão e que o pedido decorre das “mais elementares premissas que devem reger a administração pública”. São necessários 171 signatários para que o requerimento seja encaminhado à Presidência da Câmara dos Deputados. Até a noite de terça-feira (12) ele afirmava ter garantido 50 assinaturas.
Confira a bula
Calvície
O viagra genérico não foi o único medicamento inusitado comprado pelo Ministério da Defesa nos últimos anos, mostrou o portal Metrópole na sequência do caso. A pasta também fez a aquisição de Minoxidil e Finasterida, principais meios de combater a calvície masculina. Foi um gasto pequeno: R$ 2,1 mil empenhados entre 2018 e 2020.
Vale lembrar ainda que Ministério da Defesa comprou mais de 373 toneladas de picanha, além de salmão e filé mignon, somente entre janeiro de 2021 e fevereiro deste ano. Somados, os pregões superavam R$ 56 milhões.
Próteses penianas
O deputado Elias Vaz (PSB-GO) e o senador Jorge Kajuru (Podemos-GO) querem também uma investigação do Tribunal de Contas da União (TCU) e do Ministério Público Federal (MPF) para determinar por qual razão o Exército comprou 60 próteses penianas infláveis no valor de R$ 3,5 milhões. O Portal da Transparência e o Painel de Preços do governo federal apontam que foram feitos três pregões eletrônicos no ano passado para comprar os produtos, cujos comprimentos variam entre 10 e 25 centímetros. O Exército não quis justificar a compra. Vaz apresentou à Câmara dos Deputados o requerimento para que o ministro da Defesa, general da reserva Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira, esclareça esses casos.