O legado da destruição institucional
Estimulado pelo livro Men in Black: How the Supreme Court is Destroying America, de Mark Levin, que desnuda o poder exacerbado da Suprema Corte americana, decidi refletir sobre a situação brasileira, onde o Supremo Tribunal Federal parece trilhar um caminho similar de autossuficiência perigosa e arbitrária. A estrutura lógica de Levin serve de espinha dorsal para este artigo, que examina a atuação do STF como um órgão que progressivamente se afasta de sua função original de guardião da Constituição para assumir um papel de gestor do destino político e social do país.
Se o STF deveria zelar pela preservação das leis, o que vemos hoje é uma corte que reescreve as normas de acordo com a sua agenda particular. A própria separação de poderes, que deveria ser a base de uma República saudável, tornou-se uma fantasia cívica, onde os ministros legislam, executam e, pasmem, até se veem acima do debate público, blindados de qualquer crítica. O STF não mais se limita a interpretar a Constituição, mas a moldá-la conforme os ventos ideológicos do momento, ainda que isso custe a ruína da democracia que dizem defender.
Ao usurpar as prerrogativas do Legislativo e do Executivo, o STF não apenas enfraquece a representação popular, mas também se torna um Estado dentro do Estado, onde decisões são tomadas por um pequeno grupo de iluminados que parecem desconhecer qualquer limite. A velha máxima de que “ninguém está acima da lei” perdeu o sentido, pois quem dita as regras é o próprio guardião da lei. E é aí que a desconexão entre o STF e a realidade se torna tão clara quanto trágica.
Ministros que deveriam ser árbitros se transformaram em jogadores. Decisões fundamentais para o futuro do país são tomadas sem qualquer base jurídica sólida, mas sim para atender aos caprichos pessoais, sejam eles políticos ou ególatras. Como bem coloca Levin em sua obra, esse ativismo judicial não é um sinal de uma Corte forte, mas de uma democracia fraca, fragilizada por aqueles que deveriam protegê-la. No Brasil, o STF não protege a Constituição; ele a esvazia, a retorce e a adapta para seus próprios fins.
A população assiste impotente enquanto a corte se posiciona como uma aristocracia moderna, com ministros agindo como monarcas absolutos, intocáveis em seus mandatos vitalícios. Qualquer tentativa de questionar ou reformar essa estrutura é recebida com a fúria de quem não apenas se julga acima da lei, mas também de qualquer controle democrático. Nesse sentido, a independência do STF virou um pretexto para a imposição de uma agenda que não passa pelo crivo da sociedade, do parlamento ou de qualquer outra instância legítima de poder.
Na prática, o Supremo brasileiro se assemelha ao que Raymundo Faoro descreveu em Os Donos do Poder, como o “patrimonialismo”, onde os ocupantes do poder público utilizam suas posições não para servir à sociedade, mas para se perpetuar no controle, distantes das demandas populares e alheios às consequências de seus atos. Se no passado o Estado era o grande latifundiário, hoje o poder reside nas mãos de ministros que tratam a Constituição como propriedade privada, manipulando-a conforme seus interesses.
O STF, como Torre de Marfim, tornou-se uma casta hermética que não responde a ninguém. E isso, meus caros, é o maior perigo para qualquer democracia: quando aqueles que deveriam ser os árbitros se tornam os jogadores mais poderosos do tabuleiro. As regras? Essas mudam conforme os humores da Corte.
Assim como Levin apontou a corrosão da Suprema Corte nos Estados Unidos, o Brasil enfrenta sua própria crise judicial, onde os ministros acumulam um poder tão vasto quanto arbitrário. O Brasil está refém de uma corte que, na verdade, não representa mais os interesses da República, mas sim os interesses de seus membros. E, tal como Faoro previu, o grande problema do Brasil continua sendo a concentração de poder nas mãos de poucos. São os donos do poder, agora trajados de toga, que seguem arruinando o país.
No entanto, existe um paralelo importante que traz uma nota de esperança. O caminho da Suprema Corte americana começou a mudar desde as nomeações promovidas por Ronald Reagan. Mas isso não foi obra do acaso, e sim fruto de um movimento mais amplo: a criação da Federalist Society, que fez frente ao ativismo judicial, formando gerações de juízes comprometidos com a preservação da separação de poderes, do federalismo e da democracia. Hoje, a SCOTUS está se afastando da política partidária e voltando ao seu papel constitucional de árbitro, um processo que, embora lento, tem sido eficaz em reverter os excessos do passado.
Portanto, ainda há salvação para o Brasil. Mas, assim como nos EUA, será um processo gradual e difícil, que demandará tempo e uma renovação profunda na forma como encaramos o papel do Judiciário. O primeiro passo, no entanto, é reconhecer que nosso sistema, tal como está, serve apenas para concentrar poder nas mãos de poucos, distantes da realidade e alheios aos interesses da República.
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Por Leonardo Corrêa
Publicado originalmente em: https://encurtador.com.br/LnVAk