Desde o Escândalo de Watergate, a expressão “Follow the money” virou um mantra em qualquer apuração de corrupção envolvendo altos escalões de um governo. A frase jamais foi proferida naquele caso, mas ganhou notoriedade no filme “Todos os homens do presidente”, que encena a história que levou o Richard Nixon à renúncia. No caso das negociações suspeitas para a compra de vacinas investigada pela Comissão Parlamentar de Inquérito do Senado sobre os desacertos do governo na pandemia, não é diferente. O problema para o leitor é o excesso de informações. Por isso, apresentamos alguns fios dessa meada, que nada tem com as aparentes irresponsabilidades do governo com a falta de oxigênio hospital em Manaus, fato gerador da CPI.
Prestado em 25 de agosto, o depoimento de Roberto Pereira Ramos Júnior, diretor presidente da FIB Bank, empresa que atuaria como garantidora de crédito da Precisa Medicamentos para a compra da Covaxin, conectou o líder do governo na Câmara, Ricardo Barros (PP-PR), os CEOs das empresas, respectivamente, Marcos Tolentino da Silva e Francisco Maximiano, assim como integrantes do Ministério da Saúde. Nos depoimentos e documentos, surge o montante de US$ 45 milhões que seria enviado à offshore Madison Biotech, em Singapura. A empresa pertence ao grupo Bharat Biotech. Porém, o uso da offshore não estava prevista no contrato com a Saúde e a CPI ainda não tem acesso a este contrato, celebrado no exterior entre empresas privadas.
O pagamento não foi feito porque as vacinas não foram entregues, mas o empenho demonstra que o governo separou o dinheiro para enviá-lo ao paraíso fiscal. Também há indícios de superfaturamento. A diretora técnica da Precisa, Emanuela Medrades, disse às comissão, em 14 de julho, que a ata da reunião com a Saúde que citava o preço das doses é falsa. “Eu não ofertei esse valor [US$ 10]. Esse valor não foi praticado”. E completou: “Se esse preço foi falado, foi como expectativa. Não houve em momento nenhum uma proposta que não tenha sido aquela enviada pela Bharat ao Ministério da Saúde no valor de US$ 15 por dose”. Há razões para duvidar.
Uma reportagem do jornal Estado de S. Paulo apontou que um telegrama sigiloso enviado pela embaixada brasileira em Nova Délhi ao Itamaraty, em agosto, informou que o imunizante produzido pela farmacêutica indiana custaria em torno de US$ 1,34 por dose. Ou seja, a diretora da Precisa estava negociando mais de 1.000% acima para doses a US$ 15.
A Precisa justificou que o valor entre US$ 15 e US$ 20 (1.392% mais caro) é o praticado no mercado internacional. Medrades foi questionada pelo senador Tasso Jereissati (PSDB-CE) se a empresa tinha subsidiária no exterior e ela afirmou que não. Jereissati classificou a operação como evasão fiscal. Os parlamentares questionaram como a Saúde negocia vacinas e chancela empresas sem credenciais utilizando uma carta de garantia sem lastro.
Ligando os pontos
- Relatório final: Maximiano, o dono da Precisa, quando questionado sobre os US$ 45 milhões que seriam enviados à Singapura, preferiu ficar em silêncio, utilizando seu HC preventivo. Se a offshore é um braço do grupo indiano e está dentro da legalidade, qual razão para o silêncio? O presidente da CPI, Omar Aziz (PSD-AM), afirmou que a postura constaria no relatório final como incriminatória;
- Offshore: em 6 de julho, a fiscal do contrato na Saúde, Regina Célia Silva Oliveira, afirmou que a utilização de uma offshore é algo atípico nos moldes contratuais da pasta;
- Mirandas: no depoimento dos irmãos Miranda, o servidor do ministério, Luis Ricardo Miranda, afirmou que o uso da offshore estava fora do contrato. O documento previa apenas a brasileira Precisa e a indiana Bharat Biotech, sem uma terceira participante. Durante o processo de importação, o servidor sinalizou 3 vezes à fiscalização de licitações sobre essa discrepância e os US$ 45 milhões requeridos pela offshore;
- Fachada: no endereço oficial da Madison Biotech funciona um escritório de contabilidade (acima), conforme os registro comerciais de Cingapura;
- Sem fiscalização: a fiscal do contrato disse ter enviado seu relatório sobre falhas na execução para seus superiores em 30 de março. “Fui nomeada como fiscal em portaria publicada em 22 de março. Não tinha fiscal antes”;
- Suspensão: a senadora Simone Tebet (MDB-MS) quer a suspensão de todas as cartas de fiança/garantia timbradas ou assinadas pela FIB Bank no governo. A lei de licitação não admite este tipo de operação;
- Preço por dose: o ex-secretário executivo da Saúde, Elcio Franco, disse à Polícia Federal (PF) que a Covaxin foi oferecida a US$ 10 em novembro de 2020 para competir com a CoronaVac, do Instituto Butantan. Depois, em proposta formal, o preço subiu para US$ 15 por dose. A Precisa nega que tenha aumentado o valor. A explicação de Elcio para a discrepância é que o valor era de expectativa. A vacina ainda estava em estudos clínicos de fase 3.
Qual o papel do deputado
Sem a emenda 117/2021 apresentada por Ricardo Barros – que já foi ministro da Saúde -, a medida provisória (MP 1026/21) do Executivo para a compra da Covaxin não seria possível.
Entenda: a emenda permitiu que Agência Sanitária da Índia (CDSCO, na sigla em inglês) avalize importações de produtos médicos ao Brasil. A proposta original só permitia produtos chancelados pelos EUA, União Europeia, Japão, China e Reino Unido. Depois veio a MP, que suspendeu a necessidade de licitações para a aquisição de vacinas e insumos hospitalares na pandemia.
O que MONEY REPORT publicou
- Nº 259: CPI expõe fraude; mortes em queda; Guaxupé testa ButanVac
- Nº 198: o vírus já estava entre nós; Israel recoloca as máscaras; a CPI dos Miranda
- CPI do líder do governo na Câmara, Ricardo Barros
- Nº 253: ameaça de nova onda; Pfizer enfraquecida; CPI do CEO calado
- Nº 217: 94% querem vacina; kit covid é oficialmente ineficaz; CPI da evasão fiscal