A cirurgia surpresa do presidente Luiz Inácio Lula da Silva colocou Geraldo Alckmin, seu vice, como titular da agenda de ontem no Palácio do Planalto, que tinha como ponto alto um encontro com o primeiro-ministro da Eslováquia, Robert Fico. A atuação de Alckmin, que não chegou a virar interino, não deve gerar ciúmes por parte de Lula – mas nem sempre uma substituição dessas ocorreu de forma tranquila.
O vice dos sonhos de qualquer presidente era o pernambucano Marco Maciel, que permaneceu nas sombras durante os dois mandatos de Fernando Henrique Cardoso. Discreto, habilidoso e parecido com um quadro de Amedeo Modigliani, Maciel conseguia ajudar FHC a coordenar seu relacionamento com o Congresso sem jamais chamar mais atenção que o mandatário.
Mas tivemos dois momentos complicados em que os vices despertaram ciúmes dos inquilinos do Palácio do Alvorada. Um é bastante recente: o ex-presidente Jair Bolsonaro, no início de seu mandato, começou a ficar incomodado com os elogios que recebia a respeito de seu vice, o general Hamilton Mourão, hoje senador pelo Rio Grande do Sul.
Mourão era reconhecido por sua cultura geral, pelo domínio de línguas estrangeiras e por sua capacidade de diálogo até com opositores – características que Bolsonaro não possuía e nem tinha interesse em possuir. O relacionamento foi se desgastando e os dois chegaram ao final do mandato praticamente sem se falar.
No governo militar, tivemos cinco vices: três civis e dois vindos das Forças Armadas. Um deles se tornou particularmente notável por não ter assumido o poder quando o titular, Arthur da Costa e Silva, sofreu uma trombose cerebral: Pedro Aleixo. Quem comandou o país em seu lugar foi uma junta de militares, composta pelo general Aurélio de Lira Tavares, o brigadeiro Márcio de Spusa Mello e o almirante Augusto Rademaker (que viria a ser o vice de Emilio Garrastazu Médici, que ocuparia a presidência a partir de 30 de outubro de 1969).
Mas foi um vice civil que despertou os ciúmes de um general presidente. Corria o ano de 1981 e João Figueiredo sofreu um infarto no Rio de Janeiro. Foi internado às pressas e aconselhado a se afastar das funções por uma equipe médica. Criou-se um impasse, temendo-se a repetição do episódio envolvendo Pedro Aleixo.
Mas o então chefe da Casa Civil, Francisco de Leitão Abreu, conseguiu costurar com os militares a ascensão do mineiro Aureliano Chaves, que se tornou interino por 49 dias. O estilo de Aureliano chamou atenção rapidamente. Enquanto as reuniões entre ministros e Figueiredo eram pouco interativas, Aureliano impôs um ritmo diferente. Fazia perguntas, traçava metas e as anotava para efetuar cobranças nos encontros futuros. Começou a colher elogios, que chegaram aos ouvidos do presidente, a essa altura internado e uma clínica americana em Cleveland.
O general ficou bravo. E sua irritação cresceu ainda mais quando Aureliano se recusou a expulsar do Brasil os padres franceses Aristides Camio e Francisco Goriou. Os dois tinham sido presos em agosto de 1981, acusados de incitar posseiros de São Geraldo do Araguaia, no sul do Pará. A expulsão dos religiosos havia sido pedida pelos ministros militares.
Figueiredo voltou a despachar no Planalto em novembro – e passou a ignorar solenemente seu vice. Em 1984, quando o PDS começou a montar a chapa que concorreria à sucessão de Figueiredo, Aureliano ofereceu-se para ser candidato. Seu nome foi vetado por Figueiredo, que preferia o ministro Mario Andreazza. No final, o nome escolhido seria o de Paulo Maluf.
Aureliano deixou o PDS e, juntamente com colegas da ex-Arena, fundou o Partido da Frente Liberal, que se uniu ao PMDB, derrotando Maluf no Colégio Eleitoral e ungindo Tancredo Neves como presidente. Por conta dos ciúmes de Figueiredo, o PDS acabou pagando inadvertidamente o pato. Como se sabe, Tancredo morreu antes de assumir e seu vice (!!!), José Sarney, foi empossado. Um de seus primeiros atos foi nomear Aureliano Chaves como ministro das MInas e Energia.