Pode-se dizer que a polarização dos tempos atuais contaminou muitas discussões, que passaram a incorporar ideologia até em temas técnicos. Ultimamente, no entanto, um ponto neste cenário chama a atenção: esses aspectos ideológicos atingiram até o vernáculo. Certas palavras são usadas com sentidos diferentes para a Direita e para a Esquerda.
Uma delas é a liberdade – especialmente quando utilizada em parceria com a expressão. “Liberdade de expressão” tem sentidos diferentes para os dois lados do espectro ideológico. Para a Direita, por exemplo, é algo que deve abranger todos os assuntos e todos os argumentos. Neste vale-tudo, até temas como o racismo e o nazismo podem ser debatidos nas redes com livre-arbítrio. Para a Esquerda, no entanto, a livre manifestação de ideias vale até certos limites – e as fronteiras acabam sendo estabelecidas pelas autoridades vigentes. Neste caso, até agora, o que foi decidido por órgãos como o Supremo Tribunal Federal e o Tribunal Superior Eleitoral foi aplaudido pelos esquerdistas.
Temas que evocam preconceitos ou valores nazistas são proibidos por lei. Em tese, publicações do gênero devem ser enquadradas pela Justiça e punidas. Mas a discussão não acaba aqui: as fake news surgiram como um elemento a mais neste debate. Para os direitistas, notícias falsas devem ser permitidas; já os esquerdistas defendem sua proibição.
No fundo, uma parte da Direita defende a liberdade sem limites, com a permissão até para propagar mentiras. Já os esquerdistas em geral acreditam que o conceito de liberdade deve ser exercido entre fronteiras estabelecidas pela Justiça.
Quem tem razão?
Vamos em frente. Recentemente, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva defendeu a ideia de que havia democracia em Cuba e na Venezuela. Confrontado por jornalistas, disse que o conceito de democracia era relativo. Como sabemos, a Direita não vê nos países comandados por Miguel Diaz-Canel e Nicolás Maduro exemplos categóricos de democracia. Já representantes da Esquerda assinam embaixo as declarações de Lula e repetem aquilo que acreditava Karl Marx: “A forma política de uma sociedade na qual o proletariado tira a burguesia do poder é chamada de ‘república democrática’”, disse Marx. Dessa forma, portanto, uma ditadura do proletariado como Venezuela poderia ser classificada pelos marxistas como um regime democrático.
Pergunta-se novamente: quem tem razão?
Por fim, temos outra dicotomia. De um lado, está a verdade imposta pelo STF, que restringe liberdades e coloca fronteiras muito claras sobre até onde pode ir a comunicação eleitoral. Já os esquerdistas acreditam que vivemos no regime mais democrático do mundo.
E nos Estados Unidos? A Suprema Corte americana, por nove votos a zero, autorizou Donald Trump a concorrer às eleições. Seus partidários comemoraram a decisão como um exemplo de exaltação à democracia. A Esquerda (incluindo dois importantes articulistas brasileiros no campo da política e e da economia), em contrapartida, diz que os valores democráticos nos EUA são mais frágeis que os nossos, já que Jair Bolsonaro foi considerado inelegível. Isso faria do Brasil uma república mais evoluída que os Estados Unidos.
Pela terceira vez: quem tem a razão?
Podemos ainda incluir uma discussão a mais: o que são direitos constitucionais? São aqueles defendidos pela Constituição, não importa o tamanho. Mas muitos extremistas acreditam que podem brandir cartazes, em manifestações públicas, pedido um golpe militar garantido pela Constituição do país. Só que a Carta Magna defende a democracia, não a ditadura.
É uma pena que tenhamos uma capacidade quase interminável de distorcer textos claríssimos ou buscar abrigo em fake news para defender nosso ponto de vista. Quando palavras com sentido tão óbvio como liberdade, democracia e ditadura ganham significados que variam de acordo com a ideologia de cada um, é sinal de que a nossa Nação precisa apertar o pedal de freio e iniciar um amplo debate democrático sobre o que desejamos ser no futuro.