Um dos grandes males de politizar absolutamente tudo é dar uma importância gigantesca a fatos absolutamente banais, como o banho de sol do governador João Doria. Fotografado em uma espreguiçadeira de hotel de luxo no Rio, Doria foi criticado por seguidores do presidente Jair Bolsonaro por vários motivos – por estar hospedado em um local caro, por tomar banho de sol e por não portar máscara de proteção.
O governador tem condições de pagar a diária do hotel (cuja vista da piscina, por sinal, é muito bonita), estava em um dia em que não há expediente oficial no Palácio dos Bandeirantes e ninguém se bronzeia com uma máscara no rosto. Ou seja, as críticas podem ser interpretadas como um sonoro exagero.
Por outro lado, o governador estimulou o debate que provocou os apupos. Primeiro, ao esticar a corda e criar um clima “nós contra eles” ao se colocar como defensor intransigente da ciência e jogar seus adversários no campo do negacionismo. Ao repetir incessantemente seu discurso a favor das máscaras e das vacinas, provou do próprio veneno. Seus detratores usaram seus próprios argumentos para criticá-lo.
Esse é o mundo que vivemos. Nele, não há espaço para uma sutil escorregadela. Absolutamente tudo é percebido, anotado e julgado. E, depois, propagado aos quatro ventos, com palavras ácidas e pontiagudas.
Doria, que já passou dos 60 anos e é um político diplomado no quesito comunicação, tinha perfeita noção de que estaria em um local público e seria reconhecido na piscina do hotel. Resolveu deitar-se e receber os raios solares em seu rosto sabendo que seria fotografado e essa imagem iria viralizar. Por que o governador fez isso?
Há três hipóteses para explicar esse comportamento.
A primeira é a de que ele quis valer a sua vontade e minimizou as consequências de seu ato, como ocorreu em sua viagem, meses atrás, para Miami. Amigos do governador dizem que ele é teimoso. Quando põe uma ideia na cabeça, ninguém é capaz de convencê-lo do contrário.
A segunda: Doria pode ter considerado que a reação negativa viria apenas dos bolsonaristas, um grupo que o ataca por qualquer motivo. De fato, foi este contingente que mais o atacou. Mas houve estranheza até entre seus apoiadores.
Por fim, é possível que o governador tenha visto que as chances de crescimento de seu nome nas pesquisas eleitorais são baixas e simplesmente não perdeu muito tempo listando os prós e contras de uma sessão de bronzeamento à beira da piscina.
A atitude de Doria pode ter explicação em um dos fatores acima (ou em uma combinação deles). Mas o fato é que melhor teria sido se o governador tivesse deixado a sua pele no tom amarelo-escritório típico dos paulistanos, sem dar munição aos adversários.
A exposição de Doria na piscina do hotel traz à tona uma velha discussão – se as pessoas públicas têm ou não direito à privacidade. Muitos afirmarão que sim. Mas, como ter privacidade em uma piscina localizada em um hotel da moda, cercado de pelo menos cinquenta pessoas?
O governador ficou meses a fio batendo na tecla das regras de isolamento social e de proteção sanitária – entre as quais está o uso de máscaras. No caso específico do Rio de Janeiro, máscaras são requeridas por lei quando a distância entre as pessoas é inferior a quatro metros. A julgar pelas fotos, no entanto, as espreguiçadeiras estavam bem mais próximas entre si.
Apesar de ter apostado num cavalo vencedor, o das vacinas, a popularidade de Doria parece patinar. A única fonte para auferir sua aprovação é o Instituto Paraná Pesquisas. Em sua última enquete, realizada em maio, a taxa de reprovação de Doria vai a 65 %. É muito. E é um índice que parece fazer sentido quando se vê que o governador não passa de 3 % das intenções de voto para presidente de acordo com inúmeras fontes.
Em meio a uma aprovação diminuta, é de se esperar que um dos esportes favoritos dos paulistanos seja falar mal de seu governador – e essa foto, sem dúvida, parece fomentar o hábito.
Haverá caminho de volta para o governador? Se os números do Instituto Paraná estiverem certos, ele dificilmente voltará às boas com os eleitores. Mas estamos falando de um político perseverante e que trabalha enquanto os adversários dormem. Em se tratando de política brasileira, não existe nenhum cenário definitivo, especialmente a um ano e meio da eleição. Mas não são apenas os fiéis seguidores de Bolsonaro que estão falando mal dele. Toda a comunidade ligada ao comércio e aos restaurantes (com razão ou não) de São Paulo criticam o governador e dificilmente apoiariam seu nome. Esse é o pior pesadelo de qualquer político. É surpreendente que tal desgaste venha atingir alguém com tão pouco tempo no universo eleitoral. Rápido ele subiu em 2016. Descerá rápido também em 2022? Façam suas apostas.