Lula: “Nenhuma violência tolerada”. Vítimas seriam alvo do machismo estrutural do agora ex-ministro
Em uma decisão que fortalece o compromisso público com os direitos das mulheres, o presidente Lula exonerou, no início da noite desta sexta-feira (6), o ministro dos Direitos Humanos, Silvio Almeida, um dia após a divulgação de graves denúncias de assédio sexual e moral contra servidoras e nomeadas de sua agora ex-pasta. Haveria um histórico violações que incluiria até ex-alunas. Uma das vítimas foi a ministra da Igualdade Racial, Anielle Franco, irmã da vereadora assassinada Marielle Franco (1979–2018). O caso foi denunciado ao portal Metrópoles pela ONG Me Too Brasil. O caso passou a ser investigado pela Polícia Federal (PF) horas depois de explodira. O inquérito será conduzido por uma delegada
Em reunião com Almeida, Lula teria afirmado que, fora do ministério, ele teria melhores chances de defesa sem causar desgastes políticos. Diante da sua recusa, foi demitido pelo presidente. No entanto, uma questão persiste: por que Almeida foi exonerado apenas após as acusações se tornarem públicas? Provas consistentes ficariam de lado por enquanto, mas seu comportamento era criticado desde o final de 2023. E seu desejo de afastar a corregedora da pasta reforça as denúncias, que vêm de diferentes locais, pessoas e momentos. E se apenas uma queixa viesse de uma única mulher sem uma posição de poder?
A partir do escândalo, Anielle Franco teria confirmado a colegas da Esplanada que foi vítima de importunação sexual. Além de mensagens impróprias, em uma reunião ele teria tocado as pernas da colega. Parte do conteúdo foi revelado por Almeida em uma tentativa de se proteger. O que só piorou sua situação aos olhos de integrantes da Presidência. Já Franco relatou o que lhe ocorreu em uma reunião com membros do alto escalão do governo, incluindo a ministra das Mulheres, Cida Gonçalves, e o controlador-geral da União, Vinicius Carvalho. A ministra teria adiado a denúncia por motivos privados e teria receio de prejudicar o governo. Lula, que estava em viagem a Goiânia, retornou e quis ouvir a versão de ambos.
À imprensa o presidente admitiu ter tomado conhecimento das acusações apenas na véspera. Almeida é um intelectual reconhecido, autor de “Racismo Estrutural” (2019), livro que explica as dificuldades muitas vezes pouco perceptíveis que impedem o desenvolvimento e ascensão de brasileiros pretos e pardos desde a Abolição da Escravatura, em 1888. Apesar de carismático e preparado academicamente, também adotaria atitudes agressivas com subordinados e arrogantes com interlocutores. Postura que terminou por fragilizar as pautas que eram sua missão reforçar.
Em nota, o presidente da República reiterou seu compromisso, em entrevista a uma emissora de rádio goiana. “Nenhuma forma de violência contra as mulheres será tolerada”, disse. Destacou, então, que a permanência de Almeida no cargo era insustentável diante de acusações tão sérias. A pressão já havia aumentado na noite anterior, quando a primeira-dama, Janja da Silva, em um gesto de solidariedade, publicou uma foto ao lado de Anielle, indicando apoio tácito à ministra. A imagem viralizou.
Silvio Almeida, por sua vez, negou as acusações. Ele afirmou que as denúncias fariam parte de uma campanha de difamação e racismo. Em nota usando a estrutura e as redes do ministério, pediu uma investigação cuidadosa, desqualificou o Me Too Brasil e afirmou que o “povo preto” seria vítima junto com ele – esquecendo que chamava Anielle de “preta”, forçando intimidade. A atitude irritou Lula, pois misturou os tipos de discurso, ao abrir, assim, o flanco para a oposição contrária às pautas identitárias.
Apesar do estrago institucional, ao remover Almeida o governo enviou a mensagem que não hesitará em cortar na carne. É um marco no enfrentamento ao assédio sexual em altos cargos públicos, com lideranças femininas, expressando apoio à decisão.
Se Almeida se provar inocente, poderá seguir com sua carreira. Algo que parece improvável diante das sucessivas queixas que surgem contra ele. Boa parte dentro da pasta encarregada de proteger os direitos mais básicos dos cidadãos. A imagem que deixa é que nem as credenciais de combate ao racismo estrutural isentariam um dos poucos negros de poder no Brasil contra outro grande mal, o machismo estrutural.
Anielle se manifesta
A ministra da Igualdade Racial, Anielle Franco, se pronunciou pela primeira vez após a demissão. Em publicação no Instagram nesta sexta-feira (6), afirmou que “não é aceitável relativizar ou diminuir episódios de violência”. “Reconhecer a gravidade dessa prática e agir imediatamente é o procedimento correto, por isso ressalto a ação contundente do presidente Lula e agradeço a todas as manifestações de apoio e solidariedade que recebi”, escreveu.
Ela afirma que dedica a vida “para que todas as mulheres e pessoas negras possam estar em qualquer lugar sem serem interrompidas”. A ministra também afirmou que “tentativas de constranger ou pressionar vítimas” alimentam o ciclo de violência. Ela pediu respeito à sua privacidade.
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