Desde que grupos de protestos começaram a se formar diante dos quartéis brasileiros, há uma certa tensão política no ar. Afinal, o propósito destes manifestantes é um só – o de que os militares deixem a caserna e não permitam o presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva, assumir o Palácio do Planalto.
O número de pessoas em frente às instalações militares diminuiu desde o início do movimento. Mas ainda temos gente que persevera e se mantém nos locais, segurando cartazes e gritando palavras de ordem. Já faz uns quinze dias que corre um meme pelas redes sociais pedindo que os manifestantes aguentem mais 72 horas.
Ninguém sabe ao certo o porquê de protestar por mais três dias. Aliás, a primeira vez que esse prazo começou a aparecer nas redes foi há 360 horas. Ou seja, o período está se renovando automaticamente, que nem aquelas lojas que dizem queimar o estoque para fechar as portas – e nunca as fecham.
Uma hipótese é a de que esse seria um prazo que determinadas autoridades militares pediram, em confidência, para que conseguissem convencer o alto comando das Forças Armadas. Mas, a maioria dos oficiais graduados continua legalista e não quer a ruptura democrática. Nesta semana, por sinal, o Exército brasileiro soltou uma nota oficial na qual dizia o seguinte: “Os militares da ativa, por definição legal e por compromisso com a Nação Brasileira, são apartidários em suas condutas”.
No dia 31 de outubro, a menção a essas 72 horas foi ouvida pela primeira vez, na voz de um policial que se dirigia a manifestantes que bloqueavam as estradas. Ele dizia que o presidente Jair Bolsonaro não poderia fazer nada naquele momento em relação ao resultado das urnas, mas que teria condições de “tomar uma atitude” depois de três dias.
Não se sabe de onde o policial tirou esse prazo. Mas o fato é que ele acabou sendo replicado por outros manifestantes nas rodovias federais e acabou migrando para outro tipo de protesto – aquele que ocorre em frente aos quartéis.
Os militares são também protagonistas de duas grandes campanhas online. Há vários vídeos de caminhões e blindados andando pelas rodovias brasileiras (movimentação que sempre houve), acompanhados da locução de alguém que insinua o início de um golpe militar. Além disso, há várias mensagens circulando na rede e dizendo que o Exército convocou reservistas, deixando implícito que essa atitude seria para ampliar seu contigente e tomar o poder. Mas… o Exército convoca reservistas de tempos em tempos para efetuar exercícios de praxe ou atualizar seus cadastros. Tudo na mais simples rotina.
Mas esses não são os únicos memes que circulam por aí com intenções antidemocráticas. O famigerado artigo 142 da Constituição também vem sendo levantado para novamente afirmar que as Forças Armadas são o poder moderador da República brasileira e se sobrepõem ao Executivo, Legislativo e Judiciário. Seria interessante que todos pudessem ler esse artigo (https://www.gov.br/defesa/pt-br/arquivos/2014/mes02/artigo142a_cf.pdf ). Não há uma só linha que fale a respeito disso ou que coloque os militares acima dos poderes constituídos. Pelo contrário. O texto diz que as Forças Armadas “destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem”. Ênfase em “por iniciativa de qualquer destes [poderes constitucionais]”.
A nossa Constituição foi promulgada em 1988 e substituiu o texto de 1967, redigido no início do governo militar. Estávamos no início do processo de redemocratização e às vésperas de realizar uma eleição presidencial – a primeira desde 1960. O maior partido do Congresso era o PMDB, que representou a oposição ao regime que havia sido derrotado no Colégio Eleitoral, em janeiro de 1985. Detalhe: a oposição venceu com Tancredo Neves com 480 votos. O candidato da situação, Paulo Maluf, recebeu 180 (houve 26 abstenções).
Os militares estavam por baixo naquele momento – e a sociedade nutria um sentimento muito negativo em relação aos anos de ditadura. Por que, então, a Carta Magna daria poderes moderadores às Forças Armadas?
Isso não faria sentido. Assim como não faz estimular um golpe militar para garantir os princípios democráticos no Brasil.