Nem bem assumiu, o ministro da Educação, Carlos Alberto Decotelli, já tem uma bucha diante de si. Franco Bartolacci, reitor da Universidad Nacional de Rosario, na Argentina, declarou que Decotelli não possui título de doutor outorgado pela instituição, embora esta credencial acadêmica esteja registrada no currículo profissional apresentado pelo ministro na plataforma Lattes. Ainda por cima, trechos de sua tese de mestrado na Fundação Getúlio Vargas são alvo de uma acusação de plágio (coincidentemente, no mesmo dia, o ex-ministro Sergio Moro, diga-se, também foi acusado de ter plagiado passagens em um artigo jurídico. Moro admitiu a cópia, mas atribui-a à coautora do texto).
O novo titular da pasta da Educação (na foto com o presidente Jair Bolsonaro) não é a primeira autoridade brasileira a inflar sua trajetória de estudos. No próprio governo Bolsonaro houve outros casos do gênero e a mesma coisa aconteceu em administrações anteriores. Em sua defesa, Decotelli publicou um certificado de que ele concluiu o curso de doutorado na entidade argentina – mas aparentemente não defendeu uma tese, condição sine qua non para der considerado um doutor.
O caso do ministro descortina uma prática comum no meio público e corporativo: turbinar os currículos. Evidentemente, nem todos profissionais fazem isso. Mas, hoje, há quem exagere discretamente alguns atributos acadêmicos ou acabe inflando uma função aqui e outra ali para conseguir melhores colocações.
Não se trata de um esporte popular apenas entre funcionários subalternos ou políticos iniciantes querendo promoções. Há estrelas corporativas e do poder público que também deram uma anabolizada em seus CVs. Talvez o exemplo mais pujante dessa galeria de quem carregou nas tintas do currículo foi a ex-presidente Dilma Rousseff. Na plataforma Lattes, por exemplo, Dilma era apresentada como mestre e doutora em economia pela Unicamp. Porém, a ex-presidente, como Decatelli, não terminou estes cursos.
No Olimpo das empresas também acontece esse tipo de coisa. Jeffrey Papows, presidente da Lotus, uma empresa de software que não mais existe, deu uma ajeitadinha em seu resumé no capítulo que versava sobre seu passado militar. Ele afirmou que era piloto da Marinha americana, quando na verdade era apenas controlador de tráfego aéreo, e que seu posto era de capitão (na verdade, era ranqueado como primeiro tenente).
Ronald Zerrella, ex-CEO da Bausch & Lomb, também viu que a mentira tem perna curta. Ele escreveu em seu currículo que tinha feito um MBA pela New York University. Ele chegou a começar o curso, mas nunca o terminou. Quando a farsa foi desmascarada, Zerrella teve de abdicar de um bônus no valor de US$ 1 milhão, mas não chegou a ser demitido por conta da farsa.
Estes dois casos ocorreram há muito tempo, quando as redes sociais não tinham ainda a força de hoje. Se essas situações viessem a público atualmente, haveria chance grande de uma saraivada de críticas vindas das mídias sociais ou mesmo boicote de produtos. Um perdão público, como o obtido por Zerrella, seria quase que impensável.
Queimar o filme por conta de uma mentira que pode ser descoberta facilmente pelo cruzamento superficial de dados não parece ser uma boa ideia. Mas, trata-se de algo popular e difundido pelos quatro cantos: enquanto esse artigo foi lido, provavelmente alguém terminou de escrever um curriculum vitae anabolizado.
O que faz alguém achar que precisa exagerar na narrativa de sua própria carreira?
Um fator talvez seja a insegurança, que se divide em dois estados. O primeiro envolve as pessoas que não levam tanta fé em si mesmas e precisam exagerar para se sentir mais importantes. O segundo estado tem a ver com profissionais que se sentem insatisfeitos com seu background e acham que os recrutadores buscam por talentos comprovados em bancas acadêmicas.
O currículo pode impressionar numa triagem, mas dificilmente será responsável pela contratação em si. A entrevista e a consequente avaliação é que serão cruciais para que alguém seja contratado. Mesmo que o CV tenha um efeito positivo sobre o recrutador, porém, o que fará a diferença é a performance durante a conversa e, nestas situações, uma ou outra pergunta sobre a experiência profissional será feita.
Se o entrevistador pressentir que o CV está repleto de exageros, a contratação vai para as cucuias. Essa é uma das vantagens de contar a verdade aos contratantes em potencial. Como diria o escritor americano Mark Twain, “quem fala a verdade não precisa de lembrar de nada” e pode engatar uma entrevista mais direta, despretensiosa e autêntica.
Voltando ao novo ministro: estamos numa era em que nada passa em branco. Mentir ou exagerar não é uma opção válida em um mundo no qual as pessoas têm mecanismos de busca e redes sociais à mão. É simplesmente um tipo de malandragem que não cola mais.