Nestes primeiros dias do ano, ainda se discute muito sobre o que ocorreu em Brasília em 8 de janeiro de 2023. A temperatura em torno desse assunto está quente e os dois lados da discussão estão cada vez mais inflamados. Há uma minoria que fala em pacificação. Mas essa possibilidade, pelo menos no curto prazo, é remota.
O ex-governador João Doria, por exemplo, declarou, alguns meses atrás, que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva poderia “ser o agente pacificador do Brasil”. Isso, no entanto, não parece ser possível. Mesmo que Lula tenha falado em determinadas ocasiões que o país precisa ser pacificado, suas atitudes mostram uma disposição contrária – ou seja, um estímulo ao confronto com os opositores mais ferrenhos. Além disso, mesmo que tivesse uma postura conciliadora, Lula é considerado pela Direita (e pelos apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro em especial) um símbolo de corrupção e de esquerdismo. Ou seja, poderia haver uma chance de pacificação. Mas não com aquele que é considerado o inimigo número um do bolsonarismo.
No meio dessa discussão sobre paz na política brasileira, o episódio ocorrido em 8 de janeiro tem uma importância fundamental. De um lado, apoiadores do governo dizem que os baderneiros são golpistas. De outro, muitos bolsonaristas afirmam que aqueles manifestantes estavam apenas expressando sua insatisfação em relação ao resultado das eleições.
Vamos começar pela questão semântica: o que aconteceu em 8 de janeiro não foi um golpe de Estado, simplesmente porque Lula continua no poder. Mas foi claramente uma tentativa de sensibilizar os militares a entrar em campo. Os fardados, no entanto, não entraram e a democracia continuou preservada.
O ministro da Defesa, José Múcio, abordou esse tema em entrevista ao jornal O Globo. “Podia ser até que algumas pessoas da instituição quisessem, mas as Forças Armadas não queriam um golpe. É a história de um jogador indisciplinado em uma equipe de futebol: ele sai, a equipe continua. No final, me parecia que havia vontades, mas ninguém materializava porque não havia uma liderança”.
Representantes dos bolsonaristas dizem que os chamados atos golpistas devem ser enquadrados dentro da defesa da liberdade de expressão. Mas será que esse raciocínio é à prova de interferência ideológica?
Imaginemos, assim, uma realidade paralela para ver se essa argumentação faz sentido. Vamos supor que Jair Bolsonaro tivesse ganho as eleições de 2022 por uma pequena margem e que os lulistas tivessem ficado inconformados, resolvendo intervir contra a ordem democrática. Para isso, iriam criar uma confusão sem precedentes em Brasília, convocando militantes pelas redes sociais para uma “Festa da Karla” (em homenagem a Karl Marx) em 8 de janeiro. Esses manifestantes, naquela data, promoveriam um quebra-quebra nos prédios da Praça dos Três Poderes para desestabilizar a ordem institucional.
Uma pergunta meramente retórica: os bolsonaristas defenderiam o direito de expressão desses baderneiros ou pressionariam por penas rigorosas?
Pois é. Podemos discutir se as punições imputadas aos manifestantes são justas ou exageradas. Mas o que eles fizeram foi errado e precisam ser responsabilizados por isso. Essa percepção, por sinal, é da maioria da população brasileira, como pode se verificar na última pesquisa Quaest, divulgada anteontem: 89 % dos brasileiros condenam o quebra-quebra de 8 de janeiro (esse índice, porém, era de 94 % um ano atrás).
A queda de cinco pontos porcentuais entre os brasileiros que reprovam esses atos, em doze meses, mostra que a guerra de narrativas está longe de terminar e que a polarização não irá terminar tão cedo. Dessa forma, dificilmente teremos um Brasil pacificado em 2024. Ou em 2025. Ou em 2026.