Por Marcela Ayres e Pedro Fonseca
BRASÍLIA/RIO DE JANEIRO (Reuters) – O Ministério da Agricultura no governo do presidente Jair Bolsonaro será responsável pelas terras indígenas e quilombolas e terá o comando do Serviço Florestal Brasileiro, responsável pela gestão das reservas naturais, de acordo com medida provisória publicada no Diário Oficial da União nesta quarta-feira.
A medida segue indicações de Bolsonaro de buscar maior aproveitamento econômico das áreas indígenas, tanto pela agricultura como para exploração mineral.
“Mais de 15 por cento do território nacional é demarcado como terra indígena e quilombolas. Menos de um milhão de pessoas vivem nestes lugares isolados do Brasil de verdade, exploradas e manipuladas por ONGs. Vamos juntos integrar estes cidadãos e valorizar a todos os brasileiros”, disse o presidente em mensagem no Twitter, nesta quarta-feira.
De acordo com a medida provisória publicada no DO, o Ministério da Agricultura ficará responsável pela “identificação, delimitação, demarcação e registros das terras tradicionalmente ocupadas por indígenas”, e também em áreas ocupadas pelos remanescentes das comunidades dos quilombos.
Contudo, a nova ministra da Agricultura, Tereza Cristina, disse nesta quarta-feira que as demarcações de terras indígenas deverão ser decididas efetivamente por um conselho interministerial, ao ser questionada por jornalistas. Anteriormente, o novo governo já havia divulgado tal proposta.
“Nós temos aí uma conversa de fazer um conselho… para que as demarcações sejam feitas através desse conselho… Seria interministerial, essa é a ideia, nós ainda estamos discutindo isso na Casa Civil e a tempo vocês vão saber como isso vai ficar”, afirmou a Tereza.
O texto no DO confirmou ainda a transferência do Conselho Nacional de Política Indigenista para o Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, que terá sob sua área de competência os “direitos do índio, inclusive no acompanhamento das ações de saúde desenvolvidas em prol das comunidades indígenas”.
A ministra destacou ainda que a Secretaria de Assuntos Fundiários, que integrará o Ministério da Agricultura, cuidará somente de assuntos fundiários, “como o Incra já faz com o Brasil, com todas as terras brasileiras”.
A Secretaria de Assuntos Fundiários será comandada pelo presidente da União Democrática Ruralista (UDR), Luiz Nabhan Garcia, que chegou a ser cotado para o próprio Ministério da Agricultura.
“Nenhum palmo de terra será marcado, expropriado, sem aval do conselho. Serão cinco (ministérios integrantes): Agricultura, Meio Ambiente, Direitos Humanos, Gabinete Institucional e Defesa”, disse Garcia.
O presidente da Aprosoja Brasil, Bartolomeu Braz, comemorou a decisão do governo de colocar a questão de terras indígenas sob as responsabilidades do Ministério da Agricultura.
“As novas regras serão interessantes para os fazenderios e os índios, alguns deles já estão produzindo soja. Os índios também querem ser produtivos.”
PREOCUPAÇÃO
Ambientalistas e líderes indígenas, porém, demonstraram preocupação.
“Estamos muitos preocupados porque Bolsonaro está atacando políticas indígenas, recuando de proteções ambientais, autorizando a invasão de territórios indígenas e endossando a violência contra os povos indígenas”, disse Dinamã Tuxá, membro da Associação de Povos Indígenas do Brasil.
A ex-ministra do Meio Ambiente Marina Silva disse no Twitter que a decisão do governo Bolsonaro “oferece ao algoz a oportunidade de ser ainda mais violento contra aqueles que têm sido, ao longo da história, suas maiores vítimas”.
Para a nova ministra da Agricultura, no entanto, “o Brasil é um país com legislação ambiental extremamente avançada e que mais soube preservar suas florestas nativas e matas ciliares”.
“Nosso país é um modelo a ser seguido, jamais um transgressor a ser recriminado”, comentou.
Durante a transição de governo, foi anunciado que o Ministério do Meio Ambiente seria extinto, mas Bolsonaro recuou posteriormente.
A medida provisória, que estabeleceu a organização básica dos órgãos da Presidência da República e dos ministérios no governo Bolsonaro, também determinou que o Serviço Florestal Brasileiro, atualmente vinculado ao Ministério do Meio Ambiente, ficará a cargo do Ministério da Agricultura.
O Serviço Florestal tem como objetivo promover o uso sustentável e a ampliação da cobertura florestal.
Na parte da medida provisória que trata do Ministério do Meio Ambiente, o novo governo afirma que a gestão sobre florestas públicas será exercida em articulação com o Ministério da Agricultura.
SEGURANÇA JURÍDICA
Conforme Tereza, que vem da presidência da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), a Secretaria de Assuntos Fundiários “zelará, entre outros temas, pelo estabelecimento da segurança jurídica no campo, que é um grande anseio dos produtores rurais brasileiros”.
Ainda segundo a ministra, já há discussões em andamento tanto sobre o tabelamento de fretes, muito criticado pelo setor produtivo, quanto sobre a mudança de embaixada do Brasil em Israel, de Tel Aviv para Jerusalém, algo que poderia prejudicar as exportações brasileiras de produtos agrícolas para países árabes.
A nova ministra da Agricultura disse que “outra tarefa de vulto é a de racionalização e redução de burocracia sem abrir mão da segurança dos processos”. “Simplificar não significa precarizar”.
O agronegócio foi importante apoiador de Bolsonaro durante a campanha, com a FPA declarando voto no então candidato do PSL.
“Num país de dimensões continentais, a infraestrutura de logística eficaz e eficiente é essencial para que os ganhos obtidos na produção não se percam nas operações de transporte de produtos até os mercados”, disse ela.
(Por Pedro Fonseca, no Rio de Janeiro, e Marcela Ayres, em Brasília; com reportagem adicional de Stéfani Inouye, Gabriel Stargardter, Ana Mano e Anthony Boadle)