Por Maria Carolina Marcello e Ricardo Brito
BRASÍLIA (Reuters) – O presidente em exercício, Hamilton Mourão, defendeu junto com áreas técnicas do governo um decreto, publicado nesta quinta-feira, que ampliou o escopo de pessoas no governo autorizadas a impor sigilo a dados públicos e que foi criticado como um retrocesso na transparência de informações.
Para Mourão, que exerce a Presidência devido à viagem de Jair Bolsonaro a Davos, o decreto não atenta contra a liberdade de informação.
“Você tem que ter um balanceamento entre segurança e transparência”, disse a jornalistas o presidente em exercício, que assinou o decreto.
O decreto muda as regras de classificação de informações secretas e ultrassecretas para permitir que servidores comissionados, dirigentes de autarquias e de empresas públicas, entre outros, possam determinar o sigilo de dados.
Segundo Mourão, o decreto, na verdade, ajudaria ao simplificar o acesso aos documentos.
“O decreto, única e exclusivamente, ele diminui a burocracia na hora de você desqualificar alguns documentos sigilosos”, defendeu.
Mourão argumentou que funcionários de nível mais baixo não poderão classificar o sigilo de documentos e que “raríssimas” coisas são mantidas como ultrassecretas no país.
“Normalmente são planos militares, alguns documentos do Itamaraty, alguns acordos firmados, muito pouca coisa.”
O decreto, que altera a regulamentação da Lei de Acesso à Informação (LAI), prevê que a classificação de dados como ultrassecretos poderá ser delegada a altos cargos comissionados com o DAS 6, a dirigentes máximos de autarquias, fundações, empresas públicas e de sociedades de economia mista.
Uma informação classificada em grau ultrassecreto permanece 25 anos sob sigilo. Pelas regras anteriores ao decreto desta quinta-feira, essa definição só podia ser dada pelo presidente da República, pelo vice-presidente, por ministros e autoridades com mesmas prerrogativas, comandantes da Marinha, Exército e Aeronáutica, e chefes de missões diplomáticas e consulares permanentes no exterior.
Já os dados definidos como secretos, sigilosos por 15 anos, também poderão ser classificados por comissionados em nível de direção e assessoramento com DAS 5 ou superior, ou ainda de hierarquia equivalente, desde que haja uma delegação da competência.
Esse tipo de classificação já poderia ser determinado pelas autoridades autorizadas a classificar dados como ultrassecretos, titulares de autarquias, fundações, empresas públicas e sociedades de economia mista.
CRÍTICAS
Para o secretário-geral da organização Contas Abertas, Gil Castello Branco, como o decreto aumenta a faixa de pessoas autorizadas a restringir o acesso a dados, a tendência é de aumento do volume de informações sigilosas.
“Eu acredito que esse decreto seja um retrocesso no que diz respeito à transparência, ao acesso à informação e ao controle social, e acho que esse decreto simplesmente deveria ser revogado”, disse Castello Branco à Reuters.
Na mesma linha, a gerente-executiva da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji), Marina Atoji, disse à Reuters que o novo decreto fere “gravemente” o espírito da Lei de Acesso à Informação, no qual o sigilo deve ser uma exceção e considerou “bastante grave” o fato de a alteração não ter sido discutida com a sociedade.
“Uma das garantias de que a classificação de informações como sigilosas será excepcional é justamente limitar a quantidade de pessoas com competência para fazê-lo. O decreto, ao expandir radicalmente esse número de pessoas, enfraquece essa garantia no governo federal”, disse.
Segundo a gerente da Abraji, a entidade está se articulando com outras organizações da sociedade civil para expor a “inadequação do decreto”. Ainda não há planos da Abraji para recorrer ao Judiciário ou ao Ministério Público contestando a medida.
A gerente da Abraji contabiliza que, conforme o Boletim Estatístico de Pessoal do Ministério do Planejamento, em dezembro de 2018 havia 198 pessoas em cargos DAS 6 e 901 em DAS 5 ou seja, em tese, 1.099 pessoas habilitadas a fazer essa classificação. “Se considerar esses números, já é um aumento expressivo”, disse, ao ressalvar que ainda não foi verificado os números anteriores ao novo decreto.
DEFESA
Em nota, a Controladoria-Geral da União (CGU) informou que a LAI já previa a possibilidade de delegação da competência para classificação de informações em graus secreto e ultrassecreto, mas que essa delegação não havia sido regulamentada pelo decreto que define as regras de sigilo dos dados públicos.
“O Decreto nº 9.690, publicado hoje, supre essa omissão e ajusta a composição da Comissão Mista de Reavaliação de Informações (CMRI), que passa a ser composta por nove membros –e não mais dez, como anteriormente– refletindo a nova estrutura administrativa do Poder Executivo federal, em que os antigos ministérios do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão e da Fazenda passaram a compor o Ministério da Economia”, diz a nota.
O comunicado informa ainda que não procedem “as alegações de que as alterações relativas à classificação de informações trariam efeitos nocivos na aplicação” da lei.
“Finalmente, ressaltamos que as mudanças ora realizadas são fruto de intensa discussão, desde 2018, entre a CGU e diversos atores, dentre eles o Gabinete de Segurança Institucional, evidenciando a atuação integrada do governo federal na busca do aperfeiçoamento dos mecanismos de transparência pública”, completa.
Já a Casa Civil afirmou que o decreto publicado nesta quinta atualiza a regulamentação da LAI para promover “adequações na nomenclatura de novos ministérios” e “restringe o número de pessoas, que por delegação, podem classificar documentos oficiais como ultrassecretos e secretos. A atualização limita essa prerrogativa a cargos DAS 5 e 6”.
A Casa Civil argumenta que pela LAI, a classificação poderia ser delegada a agentes públicos.
Mas decreto publicado em maio de 2012 regulamentando a lei prevê que “é vedada a delegação da competência de classificação nos graus de sigilo ultrassecreto ou secreto”.
A área técnica da Secretaria de Assuntos Jurídicos (SAJ) da Casa Civil admite que, em relação ao decreto anterior, houve uma ampliação do número de servidores que poderão ganhar direito a fazer classificação dos documentos. Mas defendeu a medida com o argumento de que toda a centralização é burocratizadora.
A medida, disse a SAJ, reduz o gargalo –antes, por exemplo, seria necessário depender da disponibilidade de agenda da autoridade.
A SAJ informou que, se não houvesse mudança no decreto, iria haver um “problema” porque a legislação obriga a revisão de ofício a cada quatro anos de toda a documentação. Esse prazo iria se encerrar em abril e, se se mantivesse a norma anterior, não teria como ser feita essa revisão pela autoridade superior.