Ontem, o presidente do PL, Valdemar da Costa Neto, falou à imprensa sobre a representação que seu partido enviou ao Tribunal Superior Eleitoral. Segundo o documento, 279 000 urnas precisam ter seu resultado anulado pois esses modelos, que foram fabricados antes de 2020, geram um mesmo número de registro na rede eleitoral. Dessa forma, diz o documento, é impossível fazer uma auditoria.
O relatório parte de uma premissa verdadeira: há uma falha no sistema que gera um único número de registro (ou “log”) para um número enorme de equipamentos. Mas, ao terminar sua argumentação por aqui, essa afirmação se torna uma meia-verdade. A razão já foi explicada na segunda-feira aqui mesmo, em MONEY REPORT. Repetindo o que escrevemos dois dias atrás:
“O problema no sistema gera um “log” (número de registro) igual para os equipamentos antigos. Mas os mesmos “logs” registram também o município, a zona e a seção eleitoral de cada equipamento. Assim, basta cruzar essas informações com os boletins eleitorais e poderemos confrontá-los com os números registrados no Tribunal”.
Valdemar tentou morder e assoprar ao mesmo tempo.
A mordida: o relatório afirma que só devem ser considerados válidos os votos das urnas fabricadas de 2020 para frente. Neste universo, Jair Bolsonaro teve cerca de 51 % e, por conta disso, deve ser declarado vencedor.
O sopro: “Não somos especialistas em segurança de dados, por isso fomos atrás de técnicos que fizessem esse trabalho para garantir a transparência do processo eleitoral. Até porque eu, Valdemar, fui eleito com urna eletrônica; e a bancada do PL foi eleita com urna eletrônica”.
O presidente do TSE, ministro Alexandre de Moraes, respondeu ao relatório com uma jogada de xadrez: “As urnas eletrônicas apontadas na petição inicial foram utilizadas tanto no primeiro turno como no segundo turno das eleições de 2022. Assim, sob pena de indeferimento da inicial, deve a autora aditar a petição inicial para que o pedido abranja ambos os turnos das eleições, no prazo de 24 horas”.
Este é um típico movimento de xeque. Se o PL colocar o primeiro e o segundo turno no mesmo balaio (afinal, as urnas utilizadas nas duas etapas foram as mesmas), estará questionando não apenas os resultados do pleito presidencial, mas também o de todos os parlamentares federais e estaduais – além de vários governadores.
Dessa maneira, a sigla de Valdemar, caso morda a isca, corre o risco de atrair a ira de todas as agremiações partidárias. Afinal, se apenas forem consideradas as urnas pós-2020, os resultados do Congresso podem mudar significativamente.
Outro problema que se cria caso o relatório do PL seja acatado pelo TSE: mais da metade dos votos dos brasileiros iria para a lata do lixo, por conta do afã de eleger Jair Bolsonaro de qualquer maneira. Isso, no entanto, parece impossível. Mas há outra solução que se antevê nas trincheiras bolsonaristas, que podem ser vistas nas entrelinhas do documento. A ideia é provocar um salseiro tamanho – alimentando os protestos que se enxergam pelo país – para provocar novas eleições. Dessa forma, o Brasil seria o único país a contar com eleições de quatro turnos. Os dois primeiros já foram. Estamos vivendo o terceiro. E, se acontecer o que querem os inconformados com os resultados de 30 de outubro, haveria um quarto turno, altamente improvável (desde que fiquemos nas quatro linhas da Constituição).