Após duas semanas de sucessivas revelações de casos covardes e criminosos, percebi que calamos demais
Os escândalos de assédio sexual das semanas anteriores envolvendo o presidente da Caixa, Pedro Guimarães, que pediu demissão em 29 de junho, e um dos vices da instituição, Celso Barbosa, que saiu em 1º de julho, após uma chuva de denúncias de assédio sexual, foram obscurecidos pelo odioso ataque na festa de aniversário que terminou em morte, em Foz do Iguaçu, na noite de sábado (9), para a seguir enfrentar a concorrência na indignação pública com o flagra no anestesista que violentava pacientes sedadas na hora do parto. Enquanto a equipe obstétrica fazia uma cesariana, Giovanni Quintella Bezerra (32) foi captado por um celular escondido esfregando seu pênis na boca de uma parturiente indefesa. Denunciado por técnicos e enfermeiras que já desconfiavam de suas atitudes, foi preso na madrugada desta segunda-feira (11), no Hospital da Mulher, em Vilar dos Teles, São João de Meriti, na Baixada Fluminense. Ele nem contestou os policiais. Ele é suspeito de no mínimo mais dois ataques ocorridos no domingo e outro no início do mês. No meio disso, houve o episódio da menina de Santa Catarina que foi estuprada aos 10 anos, engravidou e uma juíza tentou impedir que fizesse um aborto, contrariando a legislação vigente e o desejo de sua família. E não parou. Na quinta-feira (7), surgiu a denúncia contra o ex-vice estadual do PL, José Renato da Silva (72), indiciado por estupro de vulnerável contra duas netas. Crime que ele repetiu, pois começou atacando a própria filha, mãe das meninas, quando esta tinha 6 anos.
Com menos requintes bizarros como no caso do anestesista ou os assédios sexuais escancarado dos figurões da Caixa, enumerei os casos que conhecia direta e indiretamente. Passei horas anotando e o resultado foi surpreendente e angustiante. Essas brutalidades estão mais perto do que costumamos acreditar. Começou com a irmã de um amigo, que foi estuprada por um namorado que havia levado um fora. Uma amiga e uma garota com quem saí revelaram que caíram no golpe do boa noite cinderela, mediante o uso de drogas na bebida (rape drugs). A amiga lembra de estar em um bar com um conhecido com quem já havia saído sem grandes avanços. De repente, percebeu que era levada para um quarto de hotel sem conseguir falar ou se mover. Ela ficou acordada o tempo todo. A garota com que saí foi vítima do melhor amigo de colegial na noite da colação de grau. A justificativa era que eles jamais voltariam a se ver e o agressor não podia deixar passar a chance.
Uma conhecida foi atacada em uma viagem naquele clássico de horror da moça descolada da cidade grande em uma estrada deserta nos cafundós do Brasil. Há também episódios domésticos. Uma colega contou ter sido agredida pelo marido embriagado, após uma briga conjugal em que resistiu às investidas. Ela contou que depois chegou a pensar em sufocar o cara com o travesseiro. Preferiu ir embora e só o viu de novo na hora de assinar o divórcio.
Feministas e donas de casa
Esse tipo de crime atinge gente da qualquer geração. Uma conhecida é fruto de um estupro do filho da patroa sobre a filha da empregada, sua mãe. Ela não sabe que eu sei. Duas septuagenárias que estimo admitiram ter sido forçadas ao sexo por namorados. Uma feminista veterana, hoje na casa dos 80 anos, certa vez revelou para amigas que foi vítima de um prestigiado secretário estadual do então governo Franco Montoro (1983-1987). Ela ficou tão chocada que nem conseguiu reagir. Na lida jornalística, encontrei uma senhora que foi atacada por um ladrão. Um mês depois vi como ele ficou durante uma revolta de cadeia. Porquinho escapou vivo por milagre. Contabilizo também três garotas de menos de 10 anos em casos que cobri como repórter, duas alvo de vizinhos insuspeitos e uma do padrasto – a mãe retirou a queixa. O episódio que estive mais próximo foi com outra amiga, então com pouco mais de 50 anos, atacada no caminho do trabalho para o ponto de ônibus, ainda nos primórdios da Vila Olímpia como berço de empresas pontocom. Ela passou por todos os procedimentos em um hospital e mostrou uma força incrível. “Melhor eu que as meninas da redação. Ele mataria uma delas”. Senti uma culpa imensa, pois ofereci carona. Como ela iria demorar mais uns 30 minutos, fui direto para casa.
Façam suas contas, por favor. Pode ser um poderoso exercício de respeito e solidaridade que evitaria a sedação induzida pelo silêncio em todo e qualquer ambiente.
Uma resposta
Sei de uma ex e de uma amiga jornalista. Não estavam provocando, nem pedindo, nem nada parecido. Apenas andando pela rua, cuidando da vida.