Por Marcela Ayres
BRASÍLIA (Reuters) – A Câmara dos Deputados e o Senado aprovaram nesta quarta-feira medida provisória que estabelece preços mínimos para o frete rodoviário, editada pelo governo do presidente Michel Temer para encerrar a greve dos caminhoneiros que paralisou o país no final de maio.
O texto aprovado nas duas Casas do Congresso vai agora à sanção de Temer.
A medida estabelece que a tabela com os valores mínimos deverá ser publicada pela Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) nos dias 20 de janeiro e 20 de julho de cada ano. Para tanto, levará em conta prioritariamente os custos do óleo diesel e dos pedágios.
O relator do texto, deputado Osmar Terra (MDB-RS), afirmou que a proposta final seguiu acordo construído com a Frente Parlamentar da Agricultura (FPA), dando, por exemplo, anistia a quem não estava pagando o frete mínimo em função de ter firmado contrato anterior, o que valerá até o dia 20 deste mês.
O texto manteve, em outra frente, o perdão às multas de trânsito aplicadas aos caminhoneiros e empresas de transporte que não desobstruíram as estradas no período da greve conforme determinado pelo governo e pela Justiça.
Segundo Terra, contudo, ficou acordado com o Palácio do Planalto que este trecho da lei será vetado por Temer. Em entrevista a jornalistas o ministro da Secretaria de Governo, Carlos Marun, disse que é possível mesmo o veto do presidente sobre a questão.
Terra também afirmou que, pelo texto, uma comissão mais ampla será responsável pela confecção de uma nova tabela de preços. Participarão da discussão representantes dos produtores, indústria e caminhoneiros autônomos.
“Vai ser reduzido (em relação à tabela atualmente vigente), os próprios caminhoneiros têm interesse nisso”, disse o relator. “A ideia é que o ministro (dos Transportes, Valter Casimiro) chame reunião e publique nova tabela já com valor reduzido em relação a essa que existe (desde o fim da greve) para que ela seja cumprida provisoriamente”, acrescentou.
O tabelamento mínimo do frete foi uma das condições aceitas pelo governo para o fim da paralisação nacional dos caminhoneiros que durou 11 dias em maio e chegou a causar desabastecimento de combustível e de outros produtos essenciais em diversas regiões do país.
Em exposição de motivos sobre a medida, o Executivo argumentou que “vem sendo verificado um descasamento entre a oferta de serviços de transporte de cargas rodoviário e a sua demanda, fazendo com que os preços sejam subestimados, ficando por vezes abaixo do seu custo”.
“Atribui-se esse fenômeno, sobretudo, aos recentes incentivos ao crescimento da oferta, por meio da política de subsídios à aquisição de novos veículos, associada à queda da atividade econômica brasileira, a qual impactou severamente o setor do transporte rodoviário de cargas”, disse o governo.
Na véspera, representantes de setores produtivos fizeram fortes críticas à iniciativa, pontuando que ela interferia na livre concorrência e pressionava custos.
PELA CULATRA
A Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) calculou que o tabelamento do frete vai gerar um custo adicional de 3,3 bilhões de reais às empresas paulistas, uma alta de 19,8 por cento. O valor representa aumento equivalente a um gasto mensal adicional com frete de cerca de 470 milhões de reais, segundo levantamento da entidade com 400 empresas do Estado.
O estudo da Fiesp afirma ainda que se a tabela de preços mínimos do frete for mantida, 55 por cento das empresas pretendem repassar, integral ou parcialmente, o aumento do custo com transporte para os preços de seus produtos.
“O tabelamento dos valores de frete representa um grande retrocesso”, disse em comunicado à imprensa o presidente em exercício da Fiesp, José Ricardo Roriz Coelho. “Fixar preços mínimos viola o princípio da livre-iniciativa e é ineficaz”, acrescentou.
Segundo Federico Vega, presidente da CargoX, empresa de tecnologia que reúne caminhoneiros a empresas interessadas em contratar fretes, a tabela aprovada para encerrar a greve dos caminhoneiros não considera uma série de variáveis como a questão do frete de retorno ou o tipo de rota ou caminhão que fará o percurso.
“Por exemplo, uma rota de São Paulo ao Rio de Janeiro, a probabilidade do caminhoneiro pegar uma carga de retorno é muito maior que em outras rotas e por isso o motorista estaria disposto a aceitar o frete por um valor menor”, disse Vega.
“O preço por tonelada transportada de São Paulo ao Amazonas deveria ser muito diferente do preço para o Rio de Janeiro”, acrescentou.
Vega afirmou que desde o anúncio da tabela, o custo de frete subiu entre 20 e 60 por cento. “Na média está muito mais alto o frete. Tem áreas que está impossível usar autônomo”, afirmou ele, acrescentando que em regiões do Mato Grosso, importante produtor de grãos do país, o preço do frete ficou 40 por cento mais caro.
Segundo o presidente da CargoX, cuja plataforma é utilizada por 3 mil a 4 mil caminhoneiros por mês, a crise foi gerada pela desaceleração da economia, logo após o ciclo de crescimento que havia incentivado compras de caminhões novos. “O grande problema é que a economia está crescendo menos. Tem menos cargas e todo mundo está brigando pelo mesmo trabalho.”
Vega avalia que a instituição da tabela poderá no final incentivar empresas a comprarem seus próprios caminhões para transportarem seus produtos, o que criará novos concorrentes aos motoristas independentes. “E aí, o caminhoneiro autônomo vai sumir. A tabela é muito difícil de implementar do jeito certo. Não é a solução. Os motoristas vão ter de optar entre ganhar muito ou ganhar zero.”
(Reportagem adicional de Alberto Alerigi Jr., em São Paulo)