Por Lisandra Paraguassu
BRASÍLIA (Reuters) – Destemperado, impulsivo, um homem de opiniões firmes: seja qual for o adjetivo empregado, a fama de pavio curto acompanha o candidato do PDT à Presidência, Ciro Gomes, em toda sua vida pública, mas na terceira tentativa de chegar ao Planalto o ex-governador tem dito que tentará controlar o temperamento e exercitar a capacidade de diálogo que jura possuir.
A fama não vem sem razão. Aos 60 anos, Ciro já coleciona alguns episódios de irritação pública este ano sem nem mesmo a campanha começar. Na mais recente, chamou por um palavrão a promotora que decidiu investigá-lo por injúria racial depois que o candidato chamou o vereador paulistano Fernando Holliday (DEM) de “capitãozinho do mato”.
“Ciro é reativo. Diante de uma provocação ele reage. E ele sempre reage num tom acima”, admite Cid Gomes, o irmão mais tranquilo do candidato, coordenador da campanha e escalado para tentar domar o temperamento de Ciro.
Primogênito de uma família de cinco irmãos, Ciro nasceu em Pindamonhangaba, interior de São Paulo, terra de sua mãe, Maria José, que fazia questão de estar junto da família para o nascimento dos filhos. No entanto, é paulista apenas na certidão.
Foi criado em Sobral (CE), a 230 quilômetros de Fortaleza, terra do clã dos Gomes há mais de cem anos, onde o pai, o defensor público José Euclides Ferreira Gomes Júnior, foi prefeito no início da década de 1980.
Advogado, Ciro conquistou seu primeiro mandato legislativo em 1982, ao ser eleito deputado estadual pelo PDS, partido ao qual seu pai era filiado. Embora a legenda desse sustentação à ditadura militar, Ciro fez uma campanha independente, para no ano seguinte ingressar no PMDB, de oposição ao regime.
Desde então, já foi prefeito de Fortaleza, governador do Ceará, ministro da Fazenda no governo de Itamar Franco, deputado federal e ministro da Integração Nacional no governo de Luiz Inácio Lula da Silva.
Também está no sétimo partido –além de PDS e PMDB, foi do PSDB no início do partido, do PPS, PSB, Pros, até chegar agora ao PDT. Ao longo do tempo, foi indo mais para a esquerda, mas diz que não são suas ideias que mudaram, mas os partidos que mudam ao chegar ao poder.
“É fato, é uma tragédia a minha vida partidária”, reconheceu Ciro em entrevista durante evento da revista Piauí e da GloboNews em 2016. “Qual político brasileiro da minha estrada não mudou (de partido)? De mim, o que quer se observar? Que eu sou um cara inconstante? Não. Eu penso que eu tenho uma constância. Eu ajudo a fazer o partido, e os partidos vão ao poder e chegam lá e fazem o oposto do que disseram ou, e, se corrompem, podremente”, justificou.
O presidente do PDT, Carlos Lupi, defende a trajetória do candidato de seu partido. “Ele é um homem de palavra. Ele não tem um discurso para cada plateia. Ele tem uma posição e é definida. Isso me agrada, ele não dança conforme a música.”
A aproximação com o PDT, segundo Lupi, não é de agora, mas de 2002, quando o partido apoiou Ciro na eleição presidencial, na época pelo PPS.
“Brizola gostava muito dele, o achava muito preparado. Foi ali que começou a aproximação”, afirmou Lupi.
“Preparado”, “inteligente”, são outros adjetivos frequentemente associados ao candidato do PDT, junto com o tradicional “pavio curto” e “temperamental”. Mesmo adversários políticos reconhecem a capacidade de Ciro.
“São todos muito inteligentes, mas são difíceis, são diferentes”, disse um adversário, referindo-se aos irmãos Gomes. “Ciro é inteligentíssimo, brilhante, mas temperamental. Na terceira pergunta que não gosta, ele explode.”
Um outro adversário, não tão incisivo, lembra que as respostas agressivas de Ciro podem lhe prejudicar seriamente nas campanhas.
“É um cara preparado, uma pessoa bem intencionada, mas tem um problema permanente que é esse temperamento irascível. Ele pode em poucos dias jogar uma campanha inteira fora”, disse.
A referência não é à toa. Em 2002, candidato pelo PPS, ao ser questionado por uma jornalista qual era o papel da então esposa, a atriz Patrícia Pillar, em sua campanha, disse que era o mais importante de todos: dormir com ele.
A resposta atravessada causou imenso constrangimento, foi criticado por mulheres em todo país e assunto por muito tempo. Mesmo com Patrícia Pillar saindo em defesa do marido, muitos atribuem o quarto lugar no primeiro turno daquela eleição –atrás de Lula, José Serra (PSDB) e Anthony Garotinho (PSB)– à frase, que teria interrompido sua ascensão na campanha.
“Ciro ainda se indigna com as coisas. Ele não aceita provocação, é o jeito dele. Será que ele está errado?”, questionou Cid, defendendo que hoje as pessoas querem “sinceridade”.
“Ele é conhecido pela franqueza, pela sinceridade. É um perfil desejado hoje, eu acho. Ele já disse que está atrás de confiança, não de simpatia.”
Irmão mais novo, governador por dois mandatos no Ceará e ex-ministro da Educação no governo de Dilma Rousseff, Cid é tido como bom negociador e capaz de controlar as reações de Ciro, função que assumiu na campanha, além da coordenação em si.
“Eu tenho dito para ele não falar palavrão em público, em respeito às pessoas. Hoje não existe mais privacidade, em todo lugar tem uma câmera”, disse Cid, ao comentar o caso mais recente, em que Ciro xingou a procuradora que determinou inquérito por injúria racial. Ao lançar o impropério, referiu–se a um procurador, aparentemente sem saber que se tratava de uma mulher.
CLÃ DOS GOMES
Ciro é hoje o nome mais forte do clã dos Gomes e recebe o investimento político da família. A avaliação é de que Cid teria uma eleição garantida para o Senado no Ceará, mas ainda não decidiu se vai concorrer, porque tem se concentrado na campanha do irmão.
A política corre no sangue dos Gomes. Os filhos de José Euclides foram além do que o pai prefeito de Sobral imaginara. Apenas Lúcio não concorreu a cargos eletivos, mas é secretário do governo de Camilo Santana (PT) no Ceará.
Ivo, o caçula, hoje prefeito de Sobral, foi deputado estadual, secretário municipal e estadual nos mandatos do irmão Cid. A irmã, Lia, decidiu que tentará este ano se eleger deputada estadual, seguindo o caminho dos irmãos –contra a vontade da família, segundo Cid.
O clã dos Gomes é tratado no Ceará como uma oligarquia política e muitas vezes são comparados a outros famílias, como os Magalhães, na Bahia.
“É uma coisa que, claro, incomoda. Nos faz parecer algo que não somos”, disse Cid. “Nós não temos poder econômico, não temos rede de comunicação. Somos todos de classe média, não é nossa história.”