Por Ricardo Brito e Anthony Boadle
BRASÍLIA (Reuters) – O Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF-1) derrubou nesta terça-feira decisão judicial que proibia a entrada de imigrantes venezuelanos no Brasil, informou a Advocacia-Geral da União (AGU), autora do recurso acatado, e o governo de Roraima informou que vai recorrer da decisão.
O vice-presidente do TRF-1, desembargador Kassio Marques, suspendeu parte da liminar concedida no fim de semana pelo juiz Helder Barreto, que havia determinado o fechamento da fronteira para a entrada de venezuelanos em Roraima.
Na decisão, o desembargador reconhece “grave violação às ordens pública e jurídica” apontada pela AGU. Para ele, suspender a entrada de imigrantes contraria o objetivo principal da ação ajuizada pelo Ministério Público Federal (MPF) e pela Defensoria Pública da União (DPU), que resultou na concessão da liminar.
Para o magistrado, MPF e DPU buscavam ampliar o acesso dos imigrantes venezuelanos aos serviços púbicos, “o que, por óbvio, não é compatível com a ideia de lhes impedir até mesmo o ingresso no território nacional”, afirmou.
Ao longo dos três últimos anos, dezenas de milhares de venezuelanos que fogem da crise econômica e política em seu país chegaram a Roraima, sobrecarregando os serviços sociais e causando uma crise humanitária, com famílias dormindo nas ruas em meio à crescente criminalidade e prostituição.
De acordo com uma fonte do Itamaraty, a hipótese de fechamento provisório ou definitivo da fronteira com a Venezuela está absolutamente fora da pauta do governo brasileiro.
“Como bem argumenta a Advocacia-Geral da União, tal medida constituiria franca violação de compromissos internacionais do país no campo dos direitos humanos, em particular no que diz respeito à acolhida de refugiados”, afirmou a fonte.
O governo de Roraima, no entanto, disse que vai recorrer da decisão de liberar a fronteira.
“O que o povo de Roraima não entende –e não aceita– é a omissão do governo federal em assumir o ônus decorrente da manutenção da fronteira aberta sem nenhum tipo de controle, em flagrante violação aos direitos fundamentais dos brasileiros, que já não têm acesso aos serviços de saúde e vivem uma onda de violência sem precedentes em Roraima”, informou em nota.
A AGU havia alegado no recurso que o fechamento da fronteira poderia agravar ainda mais o fluxo migratório, uma vez que a “mera proibição formal” não impedirá o ingresso de refugiados já que a fronteira entre Brasil e Venezuela é seca e extensa.
PEDIDOS DE ASILO
O juiz Barreto, da 1ª Vara Federal de Roraima, tinha determinado no domingo a suspensão da entrada de venezuelanos no país até que o Estado de Roraima pudesse criar condições “humanitárias” para receber o fluxo desordenado de imigrantes.
A Polícia Federal informou nesta terça-feira que não chegou a fechar a fronteira, mas que adotou as “medidas administrativas necessárias” para cumprir a decisão do magistrado após ser notificada na segunda-feira.
“Tais medidas foram prontamente suspensas, na manhã de hoje (terça-feira), após nova deliberação judicial por parte do Tribunal Regional Federal da 1° Região, restabelecendo a normalidade do fluxo imigratório aos cidadãos venezuelanos”, disse a PF em nota.
Um funcionário do governo de Roraima disse que apesar de a PF não ter fechado a fronteira, agentes impediram temporariamente a entrada de imigrantes venezuelanos.
“Só passava quem tinha refúgio, residência ou passagem área que comprovasse que iria embora do país”, disse o funcionário à Reuters. “Chegou a ter um pequeno protesto, inclusive”.
Seguindo recomendações do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (Acnur), a Força Aérea Brasileira (FAB) começou a transportar imigrantes venezuelanos de Roraima para reassentamento em outras partes do Brasil.
O Acnur saudou nesta terça-feira a decisão do TRF de derrubar o veto à entrada de venezuelanos no Brasil.
Cerca de 33.000 venezuelanos pediram asilo no Brasil até 30 de abril, e outros 25.000 entraram no país por outros meios, incluindo com vistos humanitários, de trabalho e de imigração, de acordo com o porta-voz do Acnur em Genebra, William Spindler.
“Em 2018 o número de pessoas da Venezuela em busca de asilo já é maior do que em todo o ano de 2017”, disse.
Até agora, cerca de 820 venezuelanos foram retirados de Boa Vista pela FAB. Mas autoridades de Roraima dizem que mais de 500 venezuelanos entram no Brasil por dia em média e muitos ficam no Estado por não terem condições financeiras de seguir adiante.
Antes da decisão do TRF nesta terça-feira, a ministra Rosa Weber, do Supremo Tribunal Federal (STF), rejeitou na noite de segunda-feira um pedido do governo de Roraima para fechar temporariamente a fronteira com a Venezuela e limitar a entrada de refugiados venezuelanos no país, alegando que tais medidas contrariariam a Constituição e tratados ratificados pelo Brasil.
Mas, apesar de Rosa Weber ter determinado que o Juízo da 1ª Vara Federal de Roraima fosse informado com urgência de seu despacho, a decisão da ministra não tinha poderes para derrubar a decisão da Justiça Federal de Roraima, pois se refere a um outro tipo de ação.
(Reportagem adicional de Stephanie Nebehay, em Genebra)