A turma que ainda não chegou aos 30 anos muda as regras antecipando a busca de curas pelo por atenção ao bem-estar mental e cuidados preventivos
Composta por jovens adultos e adolescentes nascidos entre 1995 e 2010, a Geração Z protagoniza uma transformação na indústria de saúde, concentrando suas preocupações em cuidados com bem-estar e abordando suas necessidades de maneira inédita. Representando cerca de 20% da população dos Estados Unidos (67,4 milhões de pessoas) e 25% da população global (1,97 bilhões), este imenso grupo quer consumir informações de qualidade e discutir abertamente questões até há poucos anos consideradas delicadas, como saúde mental, males degenerativos e como a tecnologia pode conferir qualidade de vida a uma geração que, salvo alguma catástrofe global, será longeva e ativa.
Estes jovens tem uma visão muito mais ampla do que as gerações anteriores e, de acordo com levantamentos do Fórum Econômico Mundial, consideram saúde a partir dos mais básicos autocuidados. Eles estão mais propensos a usar ferramentas digitais para monitorar sua saúde e em alinhamento com condicionamento físico. É uma mudança de paradigma para os segmentos médico e farmacêutico, antes focados na busca de curas – algo que em breve deve impactar até na produção de medicamentos. Outro ponto é que jovens não parecem temer falar sobre suas condições tampouco compartilhar suas informações de saúde com prestadores de serviços além de seus médicos de atenção primária. Mas nem tudo é fruto de mudanças positivas. A vida mergulhada digital também faz cobranças.
Novas necessidades
Para entender melhor como esta geração está remodelando a forma de consumir saúde, a professora Thaís Cristina Rodrigues Tezani, da Universidade Estadual Paulista (Unesp), observa: “Se considerarmos a cronologia social, a Geração Z tem a tecnologia como linguagem, organização social e artefato cultural. O contato desenfreado com o universo digital trouxe inúmeras desordens emocionais, como a ansiedade e a depressão. Assim, surgem novas demandas com relação às necessidades de saúde para que haja estabilidade mental. E, pelo bombardeamento de informações, eles se preocupam com as doenças de antemão”, explica.
Desafios para o modelo atual de cuidados de saúde
Um levantamento da consultoria McKinsey apontou que os jovens Z não estão satisfeitos com o sistema de saúde comportamental, sendo a geração que reportou menor grau de aprovação dos serviços de aconselhamento ou terapia, atribuindo a nota 3,7 em uma escala que vai até 5. Nascidos entre o início da década de 1980 até a primeira metade da década de 1990, os Millenials deram nota 4,1. Já para os serviços ambulatórios intensivos, a média ficou em 3,1, ante 3,8 do grupo anterior.
Segundo o CEO da Amil Cuidados Integrados, Ronaldo Kalaf, “a busca por qualidade de vida, saúde mental e praticidade apoiada na tecnologia, percebidas na Geração Z, traz pontos fundamentais ao produto plano de saúde”. Ele destaca que as empresas precisam se adaptar a essa busca por qualidade de vida e praticidade, que são valores centrais para eles, que nas próximas décadas vão conduzir os negócios, a economia e a política.
Donald Tavakoli, diretor médico nacional de saúde comportamental da United Healthcare, destaca a abertura da Geração Z para discutir saúde mental: “Eles têm taxas significativas de doenças mentais, por isso achamos que é realmente importante que eles primeiro aprendam a linguagem do seguro saúde – realmente entendendo os termos comuns de como navegar no seguro saúde.” Essa abertura está normalizando as conversas e impulsionando a demanda por serviços de saúde mental de qualidade, segundo Takavoli.
Prevenção e tecnologia
A Geração Z busca ferramentas digitais que facilitem o monitoramento de sua saúde e o agendamento de consultas, refletindo sua afinidade com a tecnologia. Richelle Andrae, especialista em relações governamentais da Associação de Cuidados de Saúde Primários de Wisconsin, no Estados Unidos, enfatiza a importância da tecnologia na prestação de cuidados de saúde para a Geração Z: “Eles precisam dessa adesão e de opções para que possam ter voz no processo de prestação de cuidados“.
A preocupação não se reflete exatamente em seriedade. De acordo com uma pesquisa da CharityRx, empresa estadunidense de cartões de desconto para medicamentos, um terço dos que nem chegaram aos 30 disseram confiar mais em influenciadores de saúde do que em profissionais médicos de sua comunidade. Os principais motivos incluem acessibilidade (37%), preço (33%) e identificação (23%). Do total, 44% recorrem ao YouTube e 33% ao TikTok para obter conselhos sobre saúde. Quase um em cada cinco (17%) disse que recorre a influenciadores para evitar o julgamento de profissionais ou porque não tem acesso a um médico.
Mudanças necessárias para empresas de saúde
Thaís Cristina Tezani reforça que as empresas de saúde precisam focar em fortalecer suas capacidades de saúde mental para atender às necessidades da Geração Z, que é informada e muito estressada. “Cuidados com os sinais de alteração de humor, comportamento ou mesmo queda no desempenho escolar são sinais de alerta para que a rede de apoio em saúde mental seja acionada.” explica a psicopedagoga
Equidade na Saúde
Como esse grupo valoriza a equidade e serviços, as empresas de saúde devem reduzir as barreiras, tornando os cuidados mais acessíveis, destaca Andrae: “Eles podem não ter um dos pais, um membro da família ou um responsável que possa levá-los a uma clínica depois do trabalho”. As observações são baseadas na realidade dos Estados Unidos, onde a saúde é fortemente privatizada e restritiva aos jovens em início de suas jornadas profissionais, mas pode ser facilmente transposta à realidade brasileira, onde o Sistema Único de Saúde (SUS) é fortemente voltado aos atendimentos primário, de emergência e campanhas preventivas – uma necessidade decorrente da realidade.
Mas como resolver as demandas do grupo que em três décadas deve conduzir a economia? A resposta é tão simples quanto ampla. As empresas e serviços públicos que se adaptarem estarão bem posicionadas para atender uma abordagem mais integrada e preventiva. O resultado seria uma virada capaz de movimentar trilhões de dólares em décadas que teria como efeito indireto a economia em tratamentos evitados por cuidados em prevenção.
Publicado originalmente em 14 de outubro de 2023