28/11/2012 19h46 - Atualizado em 28/11/2012 20h31

'Vácuo' deixado por Britto nas penas gera impasse no plenário do STF

Debate surgiu durante 'dosimetria' de João Paulo Cunha por lavagem.
Mello disse que o fato de Britto não ter fixado pena poderia anular voto.

Mariana Oliveira e Nathalia PassarinhoDo G1, em Brasília

O fato de o ex-ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Carlos Ayres Britto ter se aposentado sem deixar voto para fixar a pena do deputado federal João Paulo Cunha (PT-SP) no processo do mensalão causou impasse no plenário da corte nesta quarta-feira (28).

Britto se aposentou em 17 de novembro sem votar sobre as penas de 15 réus condenados, embora tenha votado sobre se deveriam ser culpados ou absolvidos.

No entanto, a ausência da pena fixada só fez diferença na condenação por lavagem de dinheiro por parte de João Paulo Cunha, que foi condenado no começo do julgamento por 6 votos a 5 votos, quando o também ex-ministro Cezar Peluso, que se aposentou no fim de agosto, também estava presente.

Condenaram Joaquim Barbosa, Luiz Fux, Cármen Lúcia, Gilmar Mendes, Celso de Mello e Ayres Britto. Absolveram Ricardo Lewandowski, Rosa Weber, Dias Toffoli, Cezar Peluso e Marco Aurélio Mello.

Para o ministro Marco Aurélio, caso o voto de Ayres Britto sem a dosimetria (tamanho da pena) não fosse considerado, haveria um empate de cinco a cinco que favoreceria Cunha, que poderia ser absolvido no crime de lavagem.

Em razão dos crimes de corrupção passiva e peculato, a pena ficou em 6 anos e 4 meses. Sem lavagem, ele poderia ser preso em regime semiaberto. Com a condenação por 3 anos por lavagem, ele deve ficar em regime fechado.

A discussão começou quando o advogado de João Paulo Cunha, Alberto Toron, pediu que, como somente cinco ministros poderiam votar na pena do deputado para lavagem de dinheiro (dos seis que condenaram, cinco estavam presentes), se aguardasse a chegada de Teori Zavascki, que toma posse nesta quinta (29).

O regimento estabelece quórum mínimo de seis votos, mas o ministro Joaquim Barbosa entendeu que o número era o necessário para a instauração de sessão, e não para a definição da pena. "Não podemos criar a situação exdrúxula de ter um ministro votando pela condenação e outro pela dosimetria", afirmou Joaquim Barbosa.

O ministro Marco Aurélio Mello, então, levantou a possibilidade da anulação do voto de Ayres Britto pelo fato de ele não ter deixado a pena fixada.

Joaquim Barbosa rejeitou o pedido da defesa de Cunha. Ele chegou a consultar a corte, mas decidiu sozinho indeferir a questão de ordem. Lewandowski e Marco Aurélio questionaram e afirmaram que o tema deveria ser levado ao plenário.

“Desde o primeiro dia de julgamento o presidente Carlos Ayres Britto decidiu solitária e monocraticamente as questões de ordem”, observou Barbosa. “Sim, mas causou espécie na comunidade jurídica”, rebateu Lewandowski.

O ministro com mais tempo de corte, Celso de Mello, lembrou Lewandowski que o regimento do Supremo dá ao presidente do STF autonomia para decidir monocraticamente ou em conjunto as questões de ordem.

“Ministro Lewandowski, vossa excelência me desculpe, mas o regimento me dá o poder de decidir”, afirmou Barbosa, tentando encerrar a discussão.

Os ministros Marco Aurélio Mello, Ricardo Lewandowski e Dias Toffoli pediram para registrar em ata que pediram que a questão fosse decidida coletivamente. O ministro Gilmar Mendes saiu em defesa de Barbosa e pediu para oficializar que não considera necessário que o presidente do Supremo submeta o questionamento aos colegas. “Se acatássemos a questão de ordem chegaríamos a um resultado absurdo”, disse Gilmar Mendes.

O ministro Joaquim Barbosa, então, criticou Ayres Britto por ele não ter apresentado os cálculos das penas antes de se aposentar compulsoriamente. “Tenho que dar explicações a vossas excelências e à nação. Eu insisti várias vezes para que o ministro Britto deixasse o seu voto, mas o ministro esqueceu”, disse.

Barbosa também criticou a postura de Lewandowski de insistir para que ele não decidisse sozinho a questão colocada pelo advogado de João Paulo Cunha. "Vossa excelência está se insurgindo contra presidência da corte", disse Joaquim Barbosa. Lewandowski negou. "De maneira nenhuma. Eu tenho o maior respeito", disse.

Para forçar a submissão da questão de ordem ao plenário, os ministros Marco Aurélio e Lewandowski disseram que eles próprios estariam colocando a questão em discussão. Neste caso, segundo o regimento, o caso precisaria ser resolvido pelo colegiado.

Joaquim Barbosa disse, então, que diante da "insistência" da corte, levaria o caso à discussão. Ao final, os ministros decidiram por maioria que a pena poderia, sim, ser fixada pelos cinco ministros.

No debate, o ministro Marco Aurélio Mello voltou a afirmar que sem o voto de Britto João Paulo Cunha deveria ser absolvido. “O voto proferido pelo ministro Carlos Ayres Britto não se
aperfeiçoou”, disse. Irritado, Barbosa afirmou: “Ministro Marco Aurélio, eu adoro objetividade e detesto repetição de procedimentos e perda de tempo.”

Também durante a discussão da questão de ordem,  ministra Rosa Weber destacou que houve maioria pela condenação do réu e que, como o relator estabeleceu a pena mínima, o réu não poderia ser prejudicado pela ausência de um voto na dosimetria.

“Eu entendo que quando o tema foi colocado, por seis votos a cinco houve condenação. [...] Entendo que houve condenação e se vossa excelência me desse a palavra para votar quanto à pena eu acompanharia vossa excelência pela simples razão de que vossa excelência estabeleceu a pena mínima”, disse Rosa Weber.

As penas
João Paulo Cunha (PT-SP) foi o último dos 25 réus condenados no processo do mensalão a ter a pena calculada pelo Supremo. Segundo os ministros, as punições ainda serão ajustadas de acordo com o papel de cada um no esquema.

Os ministros ainda precisam deliberar sobre a perda de mandato para os três deputados federais condenados e sobre o pedido de prisão imediata feito pelo procurador-geral da República, Roberto Gurgel.


PENAS FIXADAS PELO STF PARA RÉUS CONDENADOS NO PROCESSO DO MENSALÃO *

Réu

Quem é

Pena de prisão

Multa

Marcos Valério

"Operador" do mensalão

40 anos, 2 meses e 10 dias

R$ 2,72 milhões

Ramon Hollerbach

Ex-sócio de Valério

29 anos, 7 meses e 20 dias

R$ 2,533 milhões

Cristiano Paz

Ex-sócio de Valério

25 anos, 11 meses e 20 dias

R$ 2,533 milhões

Simone Vasconcelos

Ex-funcionária de Valério

12 anos, 7 meses e 20 dias

R$ 374,4 mil

Rogério Tolentino

Ex-advogado de Marcos Valério

8 anos e 11 meses

R$ 312 mil

José Dirceu

Ex-ministro da Casa Civil

10 anos e 10 meses

R$ 676 mil

José Genoino

Ex-presidente do PT

6 anos e 11 meses

R$ 468 mil

Delúbio Soares

Ex-tesoureiro do PT

8 anos e 11 meses

R$ 325 mil

Kátia Rabello

Ex-presidente do Banco Rural

16 anos e 8 meses

R$ 1,5 milhão

José Roberto Salgado

Ex-vice-presidente do Banco Rural

16 anos e 8 meses

R$ 1 milhão

Vinícius Samarane

Ex-vice-presidente do Banco Rural

8 anos e 9 meses

R$ 598 mil

Breno Fischberg

Sócio da corretora Bônus Banval

5 anos e 10 meses

R$ 572 mil

 

Enivaldo Quadrado

Sócio da corretora Bônus Banval

9 anos e 20 dias

R$ 676 mil

João Cláudio Genu

Ex-assessor parlamentar do PP

7 anos e 3 meses

R$ 520 mil

Jacinto Lamas

Ex-tesoureiro do extinto PL (atual PR)

5 anos

R$ 260 mil

Henrique Pizzolato

Ex-diretor do Banco do Brasil

12 anos e 7 meses

R$ 1,316 milhão

José Borba

Ex-deputado federal do PMDB

Pena restritiva de direitos (proibição de exercer cargo público bem como mandato eletivo pela mesma duração da pena privativa de liberdade substituída, ou seja, 2 anos e 6 meses) e 300 salários mínimos, no montate vigente à época do crime, de R$ 240, no valor de R$ 72 mil, em favor de entidade pública ou privada sem fins lucrativos.

R$ 360 mil

Bispo Rodrigues

Ex-deputado federal do extindo PL

6 anos e 3 meses

R$ 696 mil

Romeu Queiroz

Ex-deputado federal do PTB

6 anos e 6 meses

R$ 828 mil

Valdemar Costa Neto

Deputado federal do PR (ex-PL)

7 anos e 10 meses

R$ 1,08 milhão

Pedro Henry

Deputado federal pelo PP

7 anos e 2 meses

R$ 932 mil

Pedro Corrêa

Ex-deputado pelo PP

9 anos e 5 meses

R$ 1,132 milhão

Roberto Jefferson

Ex-deputado pelo PTB

7 anos e 14 dias

R$ 720,8 mil

Emerson Palmieri

Ex-secretário do PTB

Pena restritiva de direitos (proibição de exercer cargo público bem como mandato eletivo pela mesma duração da pena privativa de liberdade substituída, ou seja, 4 anos) e 150 salários mínimos, no montate vigente à época do crime, de R$ 260, no valor de R$ 39 mil, em favor de entidade pública ou privada sem fins lucrativos.

R$ R$ 247 mil

* As penas e multas ainda podem sofrer ajustes, para mais ou para menos, até o final do julgamento.

Veja abaixo a relação de todos os condenados e absolvidos e as acusações a cada um:

RÉUS CONDENADOS
- Bispo Rodrigues (lavagem de dinheiro e corrupção passiva)
- Breno Fishberg (lavagem de dinheiro)
- Cristiano Paz (corrupção ativa, peculato, lavagem de dinheiro, formação de quadrilha)
- Delúbio Soares (corrupção ativa e formação de quadrilha)
- Emerson Palmieri (lavagem de dinheiro e corrupção passiva)
- Enivaldo Quadrado (formação de quadrilha e lavagem de dinheiro)
- Henrique Pizzolatto (corrupção passiva, peculato e lavagem de dinheiro)
- Jacinto Lamas (lavagem de dinheiro e corrupção passiva)
- João Cláudio Genu (formação de quadrilha, lavagem de dinheiro e corrupção passiva)
- João Paulo Cunha (corrupção passiva, peculato e lavagem de dinheiro)
- José Borba (corrupção passiva)
- José Dirceu (corrupção ativa e formação de quadrilha)
- José Genoino (corrupção ativa e formação de quadrilha)
- José Roberto Salgado (gestão fraudulenta, lavagem de dinheiro, evasão de divisas, formação de quadrilha)
- Kátia Rabello (gestão fraudulenta, lavagem de dinheiro, evasão de divisas, formação de quadrilha)
- Marcos Valério (Corrupção ativa, peculato, lavagem de dinheiro, evasão de divisas e formação de quadrilha)
- Pedro Corrêa (formação de quadrilha, lavagem de dinheiro e corrupção passiva)
- Pedro Henry (lavagem de dinheiro e corrupção passiva)
- Ramon Hollerbach (corrupção ativa, peculato, lavagem de dinheiro, evasão de divisas e formação de quadrilha)
- Roberto Jefferson (lavagem de dinheiro e corrupção passiva)
- Rogério Tolentino (lavagem de dinheiro, corrupção ativa, formação de quadrilha)
- Romeu Queiroz (lavagem de dinheiro e corrupção passiva)
- Simone Vasconcelos (lavagem de dinheiro, corrupção ativa, evasão de divisas, formação de quadrilha)
- Valdemar Costa Neto (lavagem de dinheiro e corrupção passiva)
- Vinícius Samarane (gestão fraudulenta e lavagem de dinheiro)

ABSOLVIÇÕES PARCIAIS (réus que foram condenados em outros crimes)
- Breno Fischberg (formação de quadrilha)
- Cristiano Paz (evasão de divisas)
- Jacinto Lamas (formação de quadrilha)
- João Paulo Cunha (peculato)
- José Borba (lavagem de dinheiro)
- Pedro Henry (formação de quadrilha)
- Valdemar Costa Neto (formação de quadrilha)
- Vinícius Samarane (formação de quadrilha e evasão de divisas)

RÉUS ABSOLVIDOS
- Anderson Adauto (corrupção ativa e lavagem de dinheiro)
- Anita Leocádia (lavagem de dinheiro)
- Antônio Lamas (lavagem de dinheiro e formação de quadrilha)
- Ayanna Tenório (gestão fraudulenta, lavagem de dinheiro, evasão de divisas e formação de quadrilha)
- Duda Mendonça (lavagem de dinheiro e evasão de divisas)
- Geiza Dias (lavagem de dinheiro, evasão de divisas e formação de quadrilha)
- João Magno (lavagem de dinheiro)
- José Luiz Alves (lavagem de dinheiro)
- Luiz Gushiken (peculato)
- Paulo Rocha (lavagem de dinheiro)
- Professor Luizinho (lavagem de dinheiro)
- Zilmar Fernandes (lavagem de dinheiro e evasão de divisas)

Para ler mais sobre Julgamento do Mensalão, clique em g1.globo.com/politica/mensalao. Siga também o julgamento no Twitter e por RSS.

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